Os objetos de Cláudio Trindade possuem uma estranha simplicidade, muitas vezes baseada em seu caráter auto-referencial. Como estes ralos metálicos, soldados e fechados sobre si mesmos, em forma de cubo. Por ali, o que escorrer não terá destino, a não ser, o improvável.
Uma lupa dentro do desenho de uma lupa sobre uma superfície (clichê). É como se a lupa-desenho surgisse da ampliação proporcionada pela lupa-objeto. A lupa: esse fascinante objeto que dá a ver outros objetos, ampliando a escala das coisas no mesmo ato que reduz o campo da visão. É essa lupa que grava a si própria em uma matriz de zinco.
O objeto ignorado transita em uma zona de exceção. É que o desconhecimento do nome, da função, da origem, enfim, das informações que configuram a natureza e a utilidade de um objeto possibilitam, por vezes, uma concessão improvável à imaginação que pode, livremente, inventar outros sentidos, atribuir novas filiações. Para quem não veleja e observa, ao acaso, na parede de uma garagem, um leme pendurado, pode muito bem tomá-lo por um alicate de unhas para dinossauro. Ao contrário, quando se sabe exatamente para o que serve cada coisa - um leme é um leme, serve para velejar e ponto final -, limita-se os significados possíveis. O fato de não se saber o que é um leme e observá-lo à distância acaba por possibilitar um uso e uma significação não demarcada pela historicidade: os velejadores sabem e reconhecem que objetos com aquela forma e com o nome de “leme” servem para navegar e esse é o seu melhor uso registrado na história.
É, portanto, no campo da ignorância do objeto que pode se instaurar a profanação de sua historicidade, retira-lo da instância ao qual seu uso está consagrado. Para tanto, alguns artistas, lançam mão de um expediente que reúne, num mesmo gesto, a inocência da criança a uma espécie de radicalidade conceitual. Ambos os procedimentos são regidos pelo desejo de profanar que tem por fim devolver as coisas ao mundo, retomá-las de uma outra maneira, descobrindo outros possíveis no campo do lúdico, da estética e assim por diante. Apropriar-se dos objetos dados para deles extrair um outro discurso possível, uma outra sintaxe. Em boa medida, é este o procedimento de Cláudio Trindade que sabe exatamente a função de cada objeto que lhe cai na mão. Seu ponto de partida é, deste modo, uma extrema lucidez que, no entanto, parece ser ignorada ou subvertida à medida que os descompõem, os ironiza. Com isso, surgem rachaduras no edifício da até então sólida semântica, ocasionando novas combinações possíveis: metros começam a medir a si próprios perdendo a referência em relação ao mundo. Abdicam de sua função em nome de uma outra injunção estética.