Os retratos de Sebastião Vieira Fernandes

Sebastião Vieira Fernandes (1866-1943) iniciou seus estudos em Florianópolis, no ateliê da rua Conselheiro Mafra de Maneca Margariada, mas logo emigrou para o Rio de Janeiro onde estudou no Liceu de Artes e Ofícios e na Escola Nacional de Belas Artes. Mais a frente lecionaria naquele e trabalharia como restaurador nesta última.
Retrataria senadores e governadores de Santa Catarina. O pintor Evêncio Nunes, seu colega na pintura da Igreja da Candelária, coordenada por Zeferino da Costa, declarou que “Sebastião foi um bom retratista, tendo feito um grande número de retratos para esta cidade [Rio de Janeiro] e para outros lugares”. Fernandes manteve por muitos anos, ainda, um “atelier, montado na rua dos Inválidos, [onde] dedicou-se à pintura de retratos, que, pela perfeição com que os executava, lhe foi grangeando nomeada freguesia, dando-lhe, deste modo, dias mais folgados, tanto a si quanto a sua dedicada companheira”, como escreve Henrique Bouteux. Órfão desde cedo, Fernandes sobreviveu de sua arte na Capital federal, em grande parte graças aos seus retratos.

O obscuro Rafael Mendes de Carvalho

A geração florianopolitana emigrada para o Rio de Janeiro no século XIX: Victor Meirelles, Sebastião Vieira Fernandes e Rafael Mendes de Carvalho. Todos retratistas reconhecidos, que passariam a sobreviver de sua arte em muito graças às encomendas de retratos. Alcançaram algum sucesso trabalhando na Corte e estabelecendo ateliês onde conquistaram uma clientela capaz de lhes custear a vida na capital do país.
Rafael Mendes de Carvalho, nome eclipsado da história da arte local pelo vulto de Victor Meirelles, parece ter obtido relativo sucesso junto a Escola Nacional de Belas-Artes durante um certo período. Tornar-se-ia, inclusive, pensionista na Europa. Do pouco que se sabe a respeito de sua trajetória, registra-se que foi auxiliar de Manuel de Araújo Porto Alegre – também mestre de Victor Meirelles – e que trabalhou na preparação dos grandiosos festejos da coroação de Dom Pedro II, evento bastante significativo para vários artistas do período que simplesmente transformaram parte da cidade do Rio de Janeiro através de seus trabalhos artísticos, coordenados por Porto Alegre. Tal ligação, entre Carvalho e Porto Alegre, com toda certeza deve lhe ter garantido diversas encomendas já que Porto Alegre mantinha uma fiel clientela, mas que por conta de suas inúmeras tarefas, não conseguia realizá-los, como registrou em suas memórias: “(...) muitas encomendas para pintar retratos de figuras destacadas da corte”.
A trajetória de Rafael Mendes de Carvalho é obscura. Henrique Boiteux, no entanto, formula uma hipótese para a sua trajetória. Segundo ele, sua carreira se transformaria completamente com a viagem à Europa, realizada com parcos recursos: “Sem meios de criar ambiente que o fizesse conhecido em meio estranho, fazendo-o ao contrário arredio da sociedade em vez de dar-lhe ânimo a vencer, bem ao contrário o tornaria descrente. Era uma vítima do obscurantismo da época. Desiludido, regressou à Pátria, para se entregar à pintura de retratos de provedores de irmandades, de barões e dando lições de desenho até que a morte o levou a total esquecimento”. A descrição de Henrique Boiteux remete novamente ao problema dos retratos para os artistas da época: muitos consideravam a produção de retratos como tarefa inferior a ser cumprida pelo artista. Desiludido, Rafael Mendes de Carvalho passaria a fazer apenas retratos.

Victor Meirelles retratista

Ontem Victor Meirelles no Museu Victor Meirelles. De cima a baixo Victor Meirelles. Em cima, na alcova, um retrato de um médico, extremamente significativo de toda uma produção de retratos no século XIX.
Victor Meirelles, o homem que teve que receber um empurrãozinho de seu mestre Manuel de Araújo Porto Alegre – também retratista – uma vez que na Europa parecia se voltar cada vez mais para a grande pintura, ou seja, a pintura histórica. Advertiu-lhe: “Como homem prático, e como particular, recomendo-lhe muito o estudo do retrato, porque é dele que há de tirar o maior fruto de sua vida: a nossa pátria ainda não está para a grande pintura. O artista deve ser uma dualidade: pintar para si, para a glória, e retratista, para o homem que precisa de meios”.
Este famoso conselho de Porto Alegre mostra, em verdade, o modo como os pintores encaravam os retratos: uma produção secundária, mas de caráter peculiário. Não apenas Victor Meirelles se debateria com esta questão: só em Santa Catarina, outros pintores como Rafael Mendes de Carvalho e mesmo Sebastião Vieira Fernandes teriam que lidar com esta questão.
Victor Meirelles tornou-se um exímio retratista, apesar de mais reconhecido nas pinturas históricas e paisagens. Além de diversos estudos de cabeças e retratos tradicionais, o artista realizou algo que ainda hoje suscita debate: o retrato de uma morta. Obra também pertencente ao acervo do Museu Victor Meirelles, "A Morta" leva ao extremo o pressuposto “posado” do retrato.

Instituto Topofílico

Revirando a noite, revelando o dia. Há muitos anos, mantínhamos, eu e alguns colegas, o hábito de perambular e ficar pelo Centro. Tínhamos uma base operacional, na rua Visconde de Ouro Preto, o apto. de um caro amigo chamado Chuchu. Tomávamos vinho, andávamos pela cidade, colocávamos caixas de som na janela do apto. para protestar contra a Prefeitura, entre outras coisas. Uma mistura de poesia com política com vinho com música que criava sentidos bastante divertidos e também críticos.
Fomos até certo ponto. Nem perto do que faz, atualmente, o Instituto Topofílico (IT). Um grupo de amigos, que gosta de andar, descobrir e fazer uso do espaço público do Centro da cidade. Em suas ações, percebem que o espaço não é tão público assim e que brincar com a cidade é algo sério. São amigos dos espaços, como já diz o nome, que, por sinal, traz um embuste ao se auto-intitular “Instituto”. Mesmo sem CNPJ, o Instituto Topofílico faz mais do que muitas associações, fundações e institutos juntos. O IT fundou uma rede criativa e relacional que atua no Centro da cidade. Elegeu espaços como a Travessa Ratcliff como bases operacionais, tornando públicas relações e propostas de intervenção na cidade. Vivem de sucessos e fracassos: Festival de Outono na escadaria do Teatro da UBRO estrondosa; ação no Parque da Luz chuvosa. Seus membros também são variáveis, ora estão, ora não. É uma associação livre de pessoas se envolvendo na cidade, criando momentos críticos e situações de encontro e também de desencontro.

Fragmento sobre "Queimando a Cuca"

"(...) uma das propostas mais radicais foi a de Cássio Ferraz. Utilizar o termo “exposição”, no entanto, é bastante estranho ao se falar de “Queimando a Cuca”. Na garagem aberta de um antigo morador do Rio Tavares, seu Ageni, Cássio convidou a comunidade local para saborear de uma cuca gigante, preparada dentro do “Dispositivo relacional para ações em conjunto”, objeto de Ricardo Basbaum. As crianças brincavam, os homens assavam a carne, as mulheres preparavam a receita. Em certos momentos, estas funções tradicionais se cambiavam. Eu próprio tive que aprender a fazer bolo para ajudar as mulheres. As crianças também ajudaram a preparar a massa. Num determinado momento, quando a “fôrma” ia para o forno (especialmente ampliado para recebê-la), uma menina chegou perto de mim e perguntou-me: “Onde é que ele arranjou uma fôrma de bolo desse tamanho?” Ao fazer esta pergunta ela inverteu toda a lógica, sua dúvida partiu não de um questionamento estético sobre o objeto artístico, mas sim do cotidiano, da curiosidade e da vontade de comer uma cuca."

(Este é um fragmento do texto integral intitulado “Pensando na Contramão”, publicado no Caderno Idéias, do jornal A Notícia, em 30 de junho de 2006 e também no site NET PROCESSO, www.netprocesso.art.br)

Cássio Ferraz faz queimar a cuca

Há pouco mais de um mês escrevi um texto sobre o Espaço Contramão (vide postagem acima, intitulada "Fragmento sobre 'Queimando a Cuca'"), projeto migrante que propõem exposições e projetos de arte onde o curador é aquele quem cede a casa ou local do evento. Ontem, encontrei Cássio Ferraz e conversamos rapidamente. Tenho bastante interesse em seu trabalho desde “Queimando a Cuca”, sua proposta para o Espaço Contramão. Falei-lhe que havia gostado bastante da idéia – de se fazer uma cuca dentro do objeto de Ricardo Basbaum, chamando a comunidade para participar, tornando uma proposição artística em vivência, em relações humanas, etc. – e que havia escrito um pequeno comentário sobre a proposta no texto publicado em final de junho sobre o Espaço Contramão. Após lhe dizer isto, Cássio rebateu que este era um problema: “Queimando a cuca” foi e é abordado dentro dos parâmetros do Contramão. E isso quer dizer, e aqui já é uma fala minha, que mesmo dentro da proposta alternativa do Contramão, criam-se parâmetros, comparações entre as exposições, reduzindo por vezes uma idéia a outra (perigo, por sinal, alertado há muito tempo por Henri Bergson que dizia "meu método é não ter método"...). Cássio colocou-me o desafio de pensar “Queimando a Cuca” por ela mesma, independente da mão ou da contramão em que estava transitando. Espero poder desenvolver a provocação de Cássio.

Retratos de Meyer Filho

Pesquisa no acervo do Instituto Meyer Filho. Objetivo: os retratos de Meyer. Acreditava que encontraria pouquíssimos exemplares em seu acervo, assim como há poucos retratos em Hassis. Durante a década de 1940, no entanto, Meyer produziu variados retratos a partir de reproduções de astros do cinema. Foi ali que exercitou seu traço, precisou sua incisão sobre o papel. É preciso dizer que Meyer é um desenhista. Seus galináceos surgem de um traço irretocável para somente depois ganhar o colorido. Mas que se deixe os galos de lado porque tratar deles é cair na vala comum que se criou para o Meyer: o homem dos galos; assim como Franklin Cascaes é o artista das bruxas.
Meyer partiu de um retrato bastante tradicional da figura humana para chegar a um tratamento mais social. Passa a retratar figuras em seus trabalhos ou mesmo gente de seu entorno: a babá, o vendedor, o amigo do filho. Pouco a pouco as figuras migram para seus trabalhos onde registra o modo de vida local: o ser retratado está em relação com a vida, inserido em determinada ação.
São primeiras impressões do Meyer.

Célio Braga

Hoje Hércules apresentou Célio Braga. Prazer. Problema: um continente de distância. Nada sério, é claro. Brasileiro, vive e trabalha em Amsterdã, na Holanda. Um catálogo para sua expo na Huisrechts (www.huisrechts.net), todo preto, parecendo um livro ata, mostrou suas incisões artísticas. Sim, o trabalho é cirúrgico. Braga faz arte e não psicologia ou filosofia, diz, no entanto, o texto de abertura. Talvez não. Em jogo o desenvolvimento sensível de seu universo: doença, morte, angústia. Braga anima fotografias de flores ao fazer milimétricas incisões sobre a fotografia. A cada incisão que procede com um levantamento da emulsão, realiza um plano. A seqüência fílmica trata de animar a natureza-morta. Braga enrola-se em fios, fotografa-se pele, marca-se papel, é meticuloso no fazer.

Florianópolis

Vive-se em cidade. Cidade cada vez menos comunidade. Política, solidariedade, cultura, sexo, diferença, sacanagem, raça, arte, identidade, é-se tudo, menos coletivo. Uma produção artística contemporânea atravessa essa mesma cidade, mas, é lógico, de maneira dispersa. Nada articulado, tudo por um triz, sempre na contramão. Gerações desencontradas. Sujeito desconhece sujeito. Então, segue-se até o artista e se anuncia: oi, meu nome é tal e queria conhecer o seu trabalho, pode ser?