Tapera* tem sete tiros no meio da noite. O último a 1h09 da madrugada. Tapera não tem praça pública, parque, coisa alguma para as crianças brincar. Mas tem igreja de montão, padre e pastor que não acaba mais. Tapera tem mar calmo feito piscina, tem uma, duas ilhas bem bonitas para a gente nadar até lá. Tapera não tem ônibus “amarelinho”, não tem livraria, não tem Tay Cosméticos. Tapera tem bem-te-vis mais-que-vaidosos que se debatem contra os vidros dos carros e das janelas das casas vendo a si próprios no espelho inventado. Tapera não está nos planos das administrações públicas, mas está no Dicionário Aurélio e quer dizer choça, lugar abandonado. Quem sabe, os governantes leram e decidiram seguir a risca o verbete. Aqui se está mais-que-abandonado. Tapera tem gente branca, preta, média com leite, que insiste em ir trabalhar às 5h da manhã nas obras e casas de família. Mas também tem outra gente que trabalha sem nota fiscal porque vender pó e fumo é operação rápida e rende muito mais do que qualquer trabalho besta. E nem precisa pegar ônibus lotado e pagar absurdos R$ 2,50. Tapera tem Rua do Juca, o Pedregal, a Barreira e há alguns anos um pedaço de terra sem escritura podia ser comprado a menos de mil reais. Tapera, hoje em dia, tem meninas de quinze anos grávidas e homens desempregados que podem pagar suas contas na lotérica que acabou de abrir logo ali. Tapera tem candomblé, umbanda e gente de fé. Tapera tem barbeiro, sorveteria e loja de 1,99. Tem hot-dog e X-Camarão delivery. Tapera tem caminhão de lixo que desengatou a marcha, arrancou bruscamente e esmagou o lixeiro da COMCAP num muro salpicado no sábado de manhã. Ele morreu assim como o menino que jogava futebol no campo improvisado e sem querer esbarrou na trave que caiu sobre ele e rachou sua cabeça. Tapera tem céu cortado por pipas. Tem padaria dos crentes e farmácia do japonês. Tem boteco de montão. Na Tapera, ninguém aceita VISA. Tem academia de musculação sempre cheia. As ruas não têm calçadas e os pedestres desfilam junto à pista de rodagem disputando espaço com os ônibus verdes alucinados. Tapera tem lajotas que, após a chuva, dançam sobre o mangue. E quando chove um pouco mais, tem inundações que, por sinal, são as únicas certezas por aqui, ao contrário dos políticos, que só aparecem de dois em dois anos. Na Tapera, há pouco tempo, havia toque de recolher, onde depois do horário estipulado, nem a polícia, nem os bandidos se responsabilizavam pelos civis. Tapera tinha pizzaria, mas hoje lê-se: “Aluga-se quartos”. Quem não gosta de dizer que mora na Tapera, diz que tem casa no Ribeirão. A Tapera não dá “Bom-dia” nem “Boa-noite”, ela dorme cansada por entre ruídos de televisões. A Tapera tem a Rua da Esperança ainda que ninguém mais acredite nesta palavra por aqui.
* Tapera é um bairro periférico localizado no Sul da Ilha de Santa Catarina.
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