Prins. Quase Malevich.

Em pintura, a técnica do pastel proporciona a leveza da aquarela conjugada à força e à precisão da tinta a óleo (embora suas aplicações sejam bem distintas: o pastel não requer pincel, paleta ou qualquer diluente, além disso, o matiz é realizado diretamente sobre o papel ou a tela).













“Soleil blanc sur la Manche, le soir” (1882, Acervo: Musée d'Orsay), de Pierre Prins (1838-1913), é o procedimento impressionista extremado pelo uso magistral do pastel: apesar do título, ali não há sol, canal da Mancha ou coisa alguma. O que há é um clarão que fende a tela e se instala no meio da moldura – esta, por sua vez, queda um tanto patética e acaba por enquadrar uma luz excessiva, que faz transbordar o real. Ali, uma luminosidade da ordem do excesso que afunda a representação, produz o quase abstrato, uma espécie de proto-“Branco sobre Branco”/“Suprematist Composition: White on White” (1918, Acervo: MoMA-NY), de Kazimir Malevich.




Cine-Degas

Com Degas, a luz é dado emotivo, portador de um efeito cinematográfico: os quadros e, sobretudo, as esculturas, são quase filmes. Dentre os temas que mais se repetem ao longo de seu trabalho, encontram-se os cavalos e também as famosas dançarinas. Em ambos, o esforço de conferir movimento ao objeto de representação. Sem luz não há cinema muito menos fotografia (por sinal, esta última foi utilizada por Degas para registrar suas dançarinas para, posteriormente, trabalhar a partir destas imagens em seu ateliê). A luminosidade que atinge o corpo das dançarinas é carregada de um caráter sutil e incisivo: produz um efeito-moldura, coloca-as com precisão no espaço e as relaciona com os demais elementos: o sol, o cenário, os outros corpos dispostos no ambiente. Em “Danseuse au bouquet saluant”, a dançarina em primeiro plano é banhada por um foco de luz situado abaixo dela. Trata-se de uma luz artificial – estrangeira e alienígena à pintura – importada dos palcos de teatro (ou dos futuros cenários de cinema?).

1. Cheval en marche (1865), escultura em bronze. Acervo: Musée d'Orsay.

2. Danseuse, position de quatrième devant sur la jambe gauche, troisième étude (c. 1921-1931), escultura em bronze. Acervo: Musée d'Orsay.

3. "La Danseuse au bouquet saluant" ou "Parasols jaunes" (1877), pastel e guache sobre papel colado em tela. Acervo: Musée d'Orsay.

Matisse: Laurette, Laurette e Laurette.

No primeiro plano, de costas e de perfil, o pintor dedica-se ao trabalho em frente ao cavalete que rebate/reflete aquilo que é o tema da pintura, posicionado logo a frente, entre os planos preto e branco, a modelo de robe verde. O motivo, portanto, aparece duplamente na mesma pintura: real (a modelo) e pintado (a tela no cavalete). Além da cena de pintura, ao lado do artista, há uma janela aberta com vista para o Port Saint-Michel, paisagem diversas vezes pintada por Matisse (e, por sinal, mais uma vez representada, dessa vez, no interior de uma outra pintura). Obra genial: conjuga num mesmo quadro outros quadros – a paisagem, a tela da mulher de verde, a mulher de verde, o próprio artista. Ao pintar a modelo, em verdade, ele dedicava-se à paisagem? Ou o contrário? Em breve, a modelo sairia do quadro, como quem se levanta, atravessa a porta e chega num outro ambiente: trocaria o sofá de Le peintre dans son atelier pelo de Laurette sur fond noir, robe verte.



Acima: Henri Matisse, Le peintre dans sont atelier (1916), Coleção Centre Georges Pompidou.

Ao lado: Henri Matisse, Laurette sur fond noir, robe verte (1916), Coleção particular.




Cerrada a veduta - a morte da pintura

"Fresh Widow" (1920/1964) é o fechar da janela da pintura. Duchamp cerrou de vez a veduta, esse pedaço de tecido estendido e branco que por séculos serviu à pintura como base para a representação do mundo. Até então, a tela era esse espaço capaz de tudo ver, de tudo reproduzir, uma figura humana, uma paisagem, uma batalha. A perspectiva fizera da pintura uma infindável janela, um inesgotável olho que apreendia o mundo todo e inteiro. O modernismo, sobretudo com Matisse, fez aparecer janelas no interior da pintura não mais no sentido tradicional, quando uma janela era aberta em um ambiente, na maior parte das vezes, para demonstrar que o artista também sabia realizar paisagens, por exemplo. Com Matisse, ela surgia como duplo, embate entre interior e exterior, como em Le peintre dans son atelier, de 1916, em que ele se dedicado ao trabalho de representar uma modelo ao mesmo tempo em que tem ao seu lado uma vista do Port Saint-Michel, paisagem que tantas vezes ele representara. Porém, em Duchamp, só há o interior: ele trancou a janela, aplicou-lhes películas negras e opacas e jogou a chave fora.


O outro golpe aplicado à pintura foi o de Francis Picabia. Em "Tabac-Rat" (1919/1949) ele faz aparecer apenas a moldura, sem tela alguma, exposta não na parede, mas no meio da sala. Dentro dela, fios onde estão amarradas as inscrições “Tabac-Rat” e sua assinatura. Ou seja, ele apenas nomeia o que seria função da pintura representar e fá-la aparecer apenas com sua moldura, com esse objeto que é exatamente o que há de não pintura em um quadro, o que há de mundo exterior nele. Realizou, com isso, aquilo que ele chamou de “pintura transparente”.