Bom dia, filme de Yasujiro Ozu


Filhos se rebelam contra os pais. Como instrumento de revolta, o silêncio impenetrável. Paradoxalmente, a causa da greve de silêncio é o ruído: as crianças querem que os pais adquiram uma televisão para assistirem ao campeonato de sumô.

Ozu retoma com delicadeza a eterna história da revolta dos filhos contra os pais que, segundo Freud, é central na psiquê humana. Não apenas na psicologia: a história é feita de pequenas e grandes rebeliões de filhos contra pais, súditos contra monarcas, discípulos contra mestres, trabalhadores contra patrões, assim por diante. O próprio Freud revoltara-se, em boa medida, contra seus professores que consideravam todas as disfunções psicológicas como problemas neurológicos com origens, portanto, materiais.

O problema, para as crianças do filme de Ozu, no entanto, é outro. O mundo dos adultos é feito por falas desnecessárias: “Bom dia”, “Boa noite”, “Será que hoje chove?”. Por isso, interrrompem a comunicação – a única coisa que continuam a fazer, jocosamente, é peidar. O gesto do silêncio irrompe uma série de problemas à comunidade em seu entorno: as vizinhas acreditam que a família inteira está de mal com elas, o professor não consegue ministrar suas aulas, a tia não consegue dar-lhes um presente e acaba comendo todos os doces sozinhas. Provocam uma cadeia de reações, problematizando o que já existia muitas vezes escondido, silenciado, como a discórdia entre as vizinhas (que, no Japão, remete a um problema político já que a representação política inicia-se na comunidade que escolhe uma líder).

Com isso, estabelece-se um desconcertante relacionamento familiar e social onde o silêncio é contraposto à fala humana continuada, excessiva. As vizinhas não páram de falar amenidades enquanto que as crianças continuam em silêncio. Para quem está mais atento, como o professor de inglês (que talvez esteja mais atento porque está desempregado e, portanto, afastado dos ruídos cotidianos do trabalho), surge a reflexão. Em conversa com sua irmã, sobre o silêncio dos meninos, diz:

- “[Para eles] nossas saudações são vistas como uma perda de tempo”
- “Faço isso o tempo todo para vender carros”, responde a irmã empregada de uma revendedora de automóveis.
- “Sim, funciona como um lubrificante neste mundo”, reflete o professor, usando a metáfora do mundo do emprego, dos veículos lubrificados.
- “Mas as coisas mais importantes são difíceis de dizer”.
- “Enquanto que as coisas insignificantes são fáceis”, afirma a irmã, dando-lhe um recado acerca do amor que ele sente por uma moça e que não consegue declará-lo, a não ser com palavras vazias.

O amor não declaro, inconfesso do professor de inglês, será a nota final do filme. Quando as crianças finalmente abandonam a greve de silêncio – vencendo sua batalha já que o pai “decide” comprar o televisor – o problema das palavras desnecessárias continuará, como sempre, no mundo adulto. Ao se encontrarem em uma estação de trem, o professor de inglês e sua amada trocam palavras banais sobre o tempo e, novemente, não conseguem dizer o que sentem. A greve de silêncio de duas crianças da periferia do Japão não mudou em nada o mundo dos adultos. Quando muito, fizeram-na ingressar nele: agora as crianças se tornarão refém da fala descontrolada dos adultos proferida a todo instante pelos televisores.

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