Hotel Atlântico, de Suzana Amaral

Um corpo à deriva, instalado no percurso de uma geografia do acaso. Ele é um ator sem nome, fora de cena, desempregado. Este é o protagonista de “Hotel Atlântico” livro de João Gilberto Noll redescoberto por Suzana Amaral na forma de um longa-metragem. E talvez seja esse pressuposto – colocar em cena um ator que vive um outro ator, mas um ator desativo – que estimule toda a narrativa. Afinal, o filme nos diz de partida que ele está desocupado, que não consegue atuar: a trajetória portanto responderá pelo desencontro, pelo non-sense já que não há papel definido, qualquer traço de estruturação psicológica. É essa a radicalidade que a direção e o conjunto de atores levou a cabo ao longo de todo o filme.

Ator sem nome, família, Estado, enfim, qualquer indicação de origem. A incompletude como condição, um ser que se vê em ato apenas na conjugação entre ele e outrem. Deste modo, ele pode ser tanto um passageiro ao lado de uma polonesa quanto um promíscuo na casa do sacristão. O abismo que separa suas ações é a mesma que invade sua existência no momento em que tem sua perna amputada. É uma personagem que não preza por qualquer empatia com o público. Enfim, um filme corajoso.

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É bem possível colocar “Hotel Atlântico” na mesma estante de “Cão sem dono” de Beto Brant, como providenciou a crítica de Eduardo Valente (http://www.revistacinetica.com.br/hotelatlantico.htm). Ou então, confortar-se ao afirmar “Hotel Atlântico” como mais um exemplo do “cinema da distopia”, termo cunhado pela crítica para dar conta da recorrência da narrativa de personagens sem rumo pelas metrópoles brasileiras. A noção do todo pode ser por vezes perversa e impedir leituras do uno.

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A aniquilação do ator se passa no Hotel Atlântico. Não há razão evidente. Mas ele ocorre – neste lugar de passagem, por excelência, que é um hotel. É emblemático o instante em que ele decide partir: na beira de um canal, observa um imenso navio de carga. A metáfora do peso culminará numa sequência de perdas. Uma trajetória perpassada de violência e mortes. Ao subir para o seu quarto no Hotel, depara-se com um defunto carregado em uma maca. O funcionário avisa: o crime ocorreu no quarto ao lado. A polonesa morre ao seu lado sem aviso prévio. Uma velha senhora falece após receber sua própria extrema-unção, no episódio em que aparece travestido de padre.

É no instante que abdica de seu destino que ele passa a ser regido por outrem: Nelson quer matá-lo em uma fazenda, o médico decide amputá-lo. É sempre um gesto de violência que cerca sua existência esvaziada.

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Nota florianopolitana: “Hotel Atlântico” é o melhor filme feito em Florianópolis. Conseguiu abordar a cidade sem tratá-la como cenário, muito menos como motivo de orgulho ou adoração. Pelo contrário, neste filme a cidade volta a ser desterro (sem qualquer necessidade de um preciosismo histórico, como em “Desterro”, de Eduardo Paredes). Aparece em forma de hiato onde não há contemplação possível.

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