Crítica e ficção de arte


Hipótese 1

Sobre o modo com que me aproximo das obras de arte

O modo com que me aproximo de qualquer trabalho artístico é bastante esquisito. Não me interessa observar a qualidade (se é bom ou ruim). O que me cativa são certas “deixas”, certas fissuras que determinadas obras oferecem (para uma mente imaginativa). É a partir dessas “deixas” (quase sempre ambíguas, onde se instala a mente) que a máquina febril e subversiva começa a se exercitar: expande sentidos, descarta conteúdos, ignora disposições óbvias. Interessa-me, portanto, criar outros sentidos, potencializar a ficção já ali instalada (por outro ficcionista que é o artista).

Hipótese 2

Do desejo de escrever surgido pela falta

Talvez, o desejo de escrever surja justamente na brecha de uma falta, de uma necessidade de avançar no processo criativo, de ir além (em verbos não conjugados pelo artista). Sempre o querer criar mais uma ficção sobre o trabalho de outrem. Muitas vezes, este trabalho torna-se pretexto (complicando eticamente a relação entre aquele que escreve e o autor primeiro da obra de arte). A insatisfação com a mudez daquela ficção primeira, o desejo de torná-la mais potente. A confiança na escrita como instância estética. A vontade de elevar ao impossível o que se apresentava no circuito restrito. Há sim, portanto, a ação de arrogar-se daquele que escreve sobre aquele que criou a obra: “Descobri como ela funciona e vou contar para todo mundo. Mas do meu jeito, com a minha marca e também com as minhas mentiras/ficções”.

Hipótese 3

As falhas: quadros figurativos

Em quadros figurativos, interessa-me, sobretudo, as falhas. O problema que uma representação plástica dissonante do cânone pode provocar torna-se desvio de significado, flerte com novos sentidos. É o momento em que uma perna se parece com uma pata tornando antropomórfico o que até então pertencia ao domínio do humano. É o instante em que uma sombra mal colocada em relação à luz evoca a possibilidade da existência de dois “sóis” num mesmo espaço. É quando duas criaturas femininas sob uma máscara podem estar, em verdade, beijando-se por trás do visto. É onde se pode deliberar, sem maiores constrangimentos, sobre o não-visto. É ali que se instala a ficção.

Hipótese 4

Sobre a proximidade com os artistas contemporâneos

E talvez por isso eu me relacione melhor com a arte contemporânea e com seus artistas. É porque são os únicos que topam esta viagem, que compram a idéia de submeter seus trabalhos a novas cargas ficcionais quando outra linha de artistas se arroga na posição de único criador ficcional possível (sendo que aquele que escreve sobre ele deve mostrar ao público suas qualidades, facilitar-lhes a leitura). O artista contemporâneo já partiu de outra ficção – a história da arte – e não vê maiores problemas em tensionar ainda mais esta relação.

Hipótese 5

Desconhecido

Não me apetece pensar como crítico, como alguém que tem todo um arsenal da história da arte onde pode balizar suas opiniões e escrita. Interessa-me pensar como quem desconhece os tratados, como quem a cada momento inventa um novo, como quem pode ficcionalizar (e não apenas criticar) as coisas.

É sempre mais criação. É sempre querer mais.


Nenhum comentário: