Ainda sobre a falência

A falência é questão central das artes no Brasil. Em Santa Catarina, nem se fale. Vimos isso ontem na discussão sobre o cinema (e o teatro, afinal vários que ali estavam também compõem o circuito teatral). Artistas são geniais ao reclamar. Produtores e burocratas também. Eu também. Achamos a lógica de tudo. Quem é amigo de quem, quem não cumpre seu dever. Quem está diretamente prejudicado. É uma merda. Olha lá: os bares se enchem com os burburinhos das sacanagens, das covardias, da falta de bom senso das secretarias e fundações de cultura, do ministério federal. Enquanto isso, artistas fazem projetos, projetos, projetos e mais projetos. Alegam não ter dinheiro para executá-lo. Ok, certos projetos precisam realmente de algum recurso – basta pensar em um Richard Serra ou mesmo em um Eduardo Frota – no entanto, outros tantos, precisam de coragem e desprendimento, exatamente coisas que faltam no espírito contemporâneo. No entanto, quando algum museu de peso solicita uma doação ou permuta de um trabalho para um artista, aí se dá um jeito de produzir, de criar, de trabalhar. Pagam o SEDEX de envio ao museu, inclusive. [F.C.B]

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TRAPLEV É IMPORTANTE

Nesse sentido, considero o trabalho de Traplev importante. Ele faz desta apatia, deste marasmo, desta falta de expressão (por vezes até facial dos artistas, por isso, os atores me agradam mais na convivência, pelo menos eles sabem se divertir com seus próprios rostos) motivo de seu trabalho. Claro que isso pode ser uma faca de dois gumes: à medida que ele se envolve cada vez mais com estas questões ele terá uma cruzada pela frente: se a situação melhorar, ele terá que produzir seus trabalhos artísticos e a coisa do reclame sobre a política cultural ficará fora de lugar. Para onde irá seu trabalho? [F.C.B]

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ROBERTO FREITAS TAMBÉM

Outro artista fundamental é o Roberto Freitas. Transformou sua casa em galeria. Para além de sua insatisfação com o sistema atual das artes locais, há uma proposta efetiva. E isso é importante. Sua casa está geográfica-estrategicamente localizada: ao lado do CEART/UDESC. É claro que o problema é o de sempre: até onde vai a reverberação da ARCO? Será que ela não seria mera extensão do CEART? Será que há espaço para diálogo com o outro, com o diferente ali?

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MUSEU NÃO É COISA PRA POBRE

Por sinal, o problema que apontei para a ARCO também se refere aos museus. E isso independe de estar próximo ou não do centro de produção de artes das cidades. O que ocorre é que não há espaço para o outro, para o diferente. Não conheço nenhum programa de incentivo à classe baixa aos museus. Os programas educativos fazem o seguinte: encher os museus de crianças, que podem ser educadas, que vêm em turmas, que gostam ou não gostam dos trabalhos sem maiores problemas e que multiplicam o número de visitante/mês, justificando socialmente a estrutura. A verdade é que os museus, pelo menos em Fpolis – mas, na verdade, também em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro, que é o que eu conheço – são destinados a um determinado público e não faz o mínimo esforço para chegar ao que seria diferente deste público. Mesmo que as estatísticas mostrem uma drástica diminuição do público dos museus, nada é feito no sentido de pensar isso. Eu tenho uma explicação para isso: o declínio econômico brasileiro pós-ditadura levou milhares, ou melhor, milhões a adentrar nas classes “média baixa” e na própria classe dita “baixa”. Automaticamente, o público se tornou rarefeito. Mas os museus, mudaram? Por mais que se argumente que surgiram programas e agendas culturais, uma interdisciplinaridade, etc. elas são, em sua maioria, destinadas para o mesmo público. Como melhorar a apreensão e vivência deste público nos museus? Como pagar os artistas? Como melhorar as reservas técnicas? Como tornar os acervos seguros? E, particularmente, no que diz respeito a esta última questão, há um preconceito dramático nas direções e corpos técnicos dos museus. Não se leva o pobre para o museu porque se tem medo que eles roubem (ou venham a roubar) peças do museu. Ou então que toquem nas obras, que as derrubem, enfim, que não sejam civilizados. É isso aí. Pobre = ladrão. É isso aí. Não estou dizendo nenhuma besteira. Esse preconceito que atravessou o século XX, vindo do XIX, chega forte e vivo ao XXI, misturado com um quê de profissionalismo e tecnicismo. Isso é foda. Por que não levar funk para o museu? Por que sempre são as mesmas orquestras eruditas a se apresentarem nos museus? Por que ao invés de fazer ação educativa junto às escolas, não ir aos conselhos comunitários? E ficamos sempre na mesma bolha que se, pelo menos, estivesse inchando, seria melhor. Mas o pior, no entanto, é que ela cada vez mais murcha, murcha, murcha... [F.C.B]

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MAURÍCIO MUNIZ TEM(^) MUSA(S)

Ao Chicão (in memorian)

Por isso gosto de Maurício Muniz. Largou a medicina (que lhe traria dinheiro), a arquitetura (que lhe traria algum dinheiro) e se lançou à arte (que não lhe traz dinheiro algum). No entanto, vive. É feliz. Adaptou-se, criou laços, aprendeu a viver por si. Vive de e com arte. Seu dia é arte. Quando quer produz. E não fica produzindo feito um louco, como uma indústria. Trabalha quando lhe vem idéias, vontade e musa. Salve Maurício.
p.s.: Carlos Asp também pertence a esta etnia de artistas.
[F.C.B]

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