O fantástico (em) Diego de los Campos


Diego de los Campos está muito bem, obrigado. Desenha, cria objetos, coloca-os em movimento, trabalha em vídeo, com sons. Sua produção atinge quantidade e qualidade invejáveis. Seu trabalho é contínuo e quase obsessivo. Quem conhece “Desenhos de um real” sabe que há um profundo engajamento do artista em seu processo artístico.
Este projeto ocorre da seguinte maneira: o artista produz diariamente dezenas de desenhos sobre papel, depositando-os em uma pasta que circula no dia a dia junto a sua bolsa. Qualquer ocasião – um café, uma cerveja, uma reunião – é perfeita para que ele saque sua pasta e mostre seus trabalhos. Vende-os a R$ 1,00, cada. Ele próprio descreve: “Para vender os desenhos, o artista sempre levará consigo uma pasta contendo não menos que 160 desenhos. Sem hesitação o trabalhador oferecerá, a qualquer pessoa, desenhos por um real”.
“Como pode, um real apenas?”, talvez seja a primeira reação ao se deparar com a proposta. Compra-se um, dois ou mesmo cinqüenta desenhos de uma vez. Paga-se em moedas, cédulas ou mesmo cheque. Para quem já conhece o projeto, basta encontrá-lo para perguntar como vai o projeto, para ser surpreendido por mais uma centena de novos trabalhos. A execução deste projeto é engenhosa: o artista, em verdade, conseguiu organizar todo um micro-mercado de artes em torno dele. Considera-se um trabalhador qualquer, antes de tudo. É humilde ao oferecer seus desenhos por um real apenas, menos do que se gasta para se engraxar um sapato. Contudo, habilmente, Diego de los Campos vai, por um lado, penetrando no fechado circuito artístico e, por outro, mobilizando o acanhado mercado da arte local.
Sua opção é clara: viver e sobreviver da arte. Para um estrangeiro – que está em Florianópolis desde 1999, provindo do Uruguai – este objetivo deve ser ainda mais difícil. Para tanto, leciona desenho nas oficinas de arte do Centro Integrado de Cultura (CIC), ministra curso de animação no SENAC. Diego é um dos poucos artistas que vivem da arte e isso é um fator relevante em sua trajetória. A estratégia de “Desenhos de um real” está de acordo com este objetivo pessoal. Escreve: “Cada desenho deve ser feito em menos de 3 minutos. Atendendo assim o seguinte cálculo: em uma hora o artista consegue fazer 20 desenhos. Em oito horas 160 desenhos. Trabalhando 25 dias por mês o artista alcança seu objetivo de fazer 4000 desenhos. Vendendo cada desenho a um real e conseguindo vender todos eles, o trabalhador ganha um salário digníssimo de 4000 mil reais”.
Recentemente, com a produção de Hércules Goulart Martins, o artista montou o projeto “Desenhos de um real” em uma exposição que pode ser vista até o dia 28 de setembro no espaço da Associação de Artistas Plásticos de Santa Catarina, que fica no Teatro Armação, Praça XV de Novembro, Centro de Florianópolis.
Já no trabalho em exposição em “1 Triz”, mostra com curadoria de Adriana Barreto e Julia Amaral que se encontra no Museu Hassis, destaca-se a questão do movimento, que é uma das questões centrais de seu trabalho. Isso está explícito neste trabalho intitulado “Devaneio”. Trata-se de uma cadeira levemente tombada para trás que, no entanto, não cai. Parece desafiar a gravidade. Diego acoplou um dispositivo mecânico e um fio de nylon que faz com que a cadeira fique em constante movimento. Assemelha-se a uma cadeira de balanço, que balança sem ninguém estar sentado. Mesmo que alguém quisesse, não poderia fazê-lo já que ela não possui assento. Diego desloca o objeto de seu espaço cotidiano, retira-lhe a utilidade e o coloca em constante movimento. Para completar, a cadeira produz um ruído singular e também constante.
Por sinal, os trabalhos de Diego de los Campos, em sua grande maioria, dialogam com o fantasmagórico. É extremamente interessante ver seu trabalho na Ilha de Santa Catarina que, a partir de uma herança mal assimilada de Franklin Cascaes, possui toda uma produção artística afetada pelo universo mítico. A bruxa tornou-se elemento comum de um de todo um imaginário que se remete ao mito e a magia como característica local. A noção, desenvolvida na famosa tese de Adalice Araújo de 1977 que fermentou e amalgamou esta visão artística, desenvolveu-se não só no discurso artístico, mas também do artesanato. Tal consenso aliado a um mesmo discurso utilizado na propaganda turística-comercial de Florianópolis, culminou com o reconhecido sinônimo “Ilha da Magia”.
Franklin Cascaes, no entanto, não tratou apenas de bruxas e “causos” do além. Sua obra é uma profunda pesquisa visual, uma verdadeira catalogação do modo de vida local. Cascaes foi um verdadeiro antropólogo que ao invés da caneta, utilizava-se de imagens. No entanto, o que foi apropriado de sua obra foi a porção dita “bruxólica”. Não por acaso, sua última exposição, realizada na Galeria de Artes da Universidade Federal de Santa Catarina, possuía uma bruxa enorme montada no lado de fora da Galeria a receber os visitantes. Bruxa virou sinônimo de Cascaes (Bruxa = Cascaes) e isso não é terrível para a compreensão do conjunto de seu trabalho. O mesmo ocorreu com Ernesto Meyer Filho, com os galos (Galo = Meyer Filho) que, no entanto, não refletem as diversas nuances do artista.
É extremamente saudável, portanto, assistirmos aos trabalhos de Diego de los Campos. Não afetado por esta problemática do fantástico na arte local, ele consegue propor novas narrativas e visualidades que arejam o discurso artístico. Mas, para além da questão fantasmática há uma grande elaboração mental. O próprio Diego entende seu trabalho como ilustração de idéias. Pensamentos que são como música. Sim, música, que enquanto não é realizada, torna-se um ritmo dentro da cabeça, indo e voltando, indo e voltando até encontrar sua materialização ou então o seu ocaso.