Sobre os artistas que estão no Contramão de minha casa


Ontem abrimos a exposição “Jogo do Bicho”, aqui no meu apartamento. As pessoas estranham: como uma exposição na casa de uma pessoa? Pois é, esta é a proposta do ESPAÇO CONTRAMÃO que está em sua oitava edição. A idéia é justamente deslocar o espaço expositivo, fazendo exposições migrantes, cada uma diferente da outra. O(s) dono(s) da casa é que são os curadores e organizam toda a programação da exposição, incluindo convites, vernissage, visitação, etc. As idealizadoras do projeto – Adriana Barreto, Bruna Mansani e Tâmara Willerding – prestam toda assessoria necessária. Há sempre algo novo para se ver e sentir no CONTRAMÃO.

Todo o processo tem sido maravilhoso para nós. Foi ótimo contar com os cinco artistas escolhidos para a exposição. Eles entraram em nossas vidas: na minha, de minha esposa (Ana Paula Bressan) e de minha gata (Emília Felina). O primeiro artista a realizar seu trabalho foi Diego Rayck. Ele chegou em minha casa apenas com um saco de carvão. Sim, um saco de carvão para churrasco. Deixei ele trabalhando a tarde inteira no meu apartamento já que eu tinha compromissos fora. Ao chegar em casa, encontrei em minha parede um ser maravilhoso, enorme, que ocupa agora boa parte do meu escritório. Ele desenhou diretamente sobre a parede. O ser surgiu de seu universo onírico: fã dos jogos de RPG, ele criava todo mundo para jogar, como um universo paralelo, com seres, cidades, flora, fauna, tudo imaginado e desenhado por ele próprio. Operava como um pequeno deus, criando e ordenando o seu mundo. E isso tem relação direta com o trabalho artístico. Pois bem, foi entregue ao Diego uma parede inteira para ele dar forma a este mundo em minha casa. Com um senso magistral do espaço, ele pensou na perspectiva de quem entra no escritório (onde se encontra esta parede) e desenhou um ser enorme que por um lado intimida e por outro mostra certa fragilidade já que está nu e parece surpreendido ao nos ver entrando no quarto. O desenho a carvão funciona como uma espécie de portal, com o ser saindo de seu mundo (o universo do artista, a cabeça de Diego Rayck) e entrando no meu (o meu apartamento, mas também de quem vê a exposição).

Depois chegou Maurício Muniz. Antigo amigo, veio para também desenhar sobre a parede o projeto “Casa de uma parede só”. Por diversas vezes havíamos falado desta casa que, em verdade, é seu antigo sonho. Há mais de vinte anos ele desenha construí-la. Eu nunca havia conseguido compreendê-la inteiramente. Ele fazia pequenos desenhos em papéis, guardanapos, mas sempre parciais. Numa manhã, ele veio ao meu apartamento e com um giz pastel começou a desenhar sobre minha parede da sala. Ao mesmo tempo em que ele desenhava eu o filmava. Em verdade, seu trabalho foi ilustrativo. Eu perguntando como funcionaria a casa, como seria construída, a disposição dos móveis e ele me mostrando tudo isso visualmente. Por fim, eu adotei seu sonho e também quero construí-la.

Maurício foi o grande amigo a acompanhar todo o processo de exposição. Ajudou em toda a montagem. Foi particularmente importante para ajudar a pensar o modo como montaríamos o trabalho de Luiz Henrique Schwanke. A amiga Néri Pedroso me emprestou sete linguarudos de Schwanke para a exposição. O caso de Schwanke, no entanto, era um dos que mais me preocupava. Já falecido, eu me questionava muito sobre como iria montá-lo já que eu teria que levar em conta o modo como iria apresentá-lo mas também como iria manter boas condições de conservação. Pensei em montá-lo no chão, para inverter um pouco a lógica expositiva e, afinal, eu havia gostado muito de ver as coisas do Schwanke na horizontal, no chão (não diretamente, mas dentro de caixas) quando estive na casa de Maria Regina Schwanke, irmã do artista e que hoje guarda seu acervo enquanto o Museu de Arte Contemporânea de Joinville não fica pronto. Foi muito legal poder conhecer parte do acervo do Schwanke em papel lá em Joinville: pude ver a diversidade e a profundidade de seu trabalho. Há muito ainda a se mostrar de Schwanke. Pois bem, ao montar os trabalhos pensei nisto, mas também tentei equacionar com a questão da conservação: o chão foi forrado com papel neutro para depois receber uma camada de jornal (a idéia das folhas de jornal vieram justamente porque Schwanke também desenha seus linguarudos sobre folhas de jornal). Os sete linguarudos foram distribuídos sobre o jornal (cada um com folhas de papel neutro atrás para não entrar em contato direto com o jornal que é extremamente ácido e, portanto, nocivo à obra). Na seqüência, colocamos um vidro para protegê-lo.

Diego de los Campos chegou enquanto Maurício Muniz ainda estava em meu apartamento. Foi legal os dois se conhecerem já que ambos trabalham com vídeo e fazem animações. Nos divertimos muito juntos entre chicaras de café. Diego chegou com seu objeto que consiste em um mecanismo que trabalha com bolinhas de vidro batendo sobre dois recipientes com água. A cada toque da bolinha, produz-se um som, parecido com um sino. Há toda uma questão de ritmo ainda neste trabalho. É muito difícil descrevê-lo verbalmente. Diego trouxe ainda uma foto maravilhosa, uma paisagem noturna, com uma árvore e com nuvens parecendo ondas. Para finalizar aquilo que ele chamou de “tríptico”, ele trouxe cerca de quinze garrafas de água de 500ml. Durante o vernissage, pediu para as pessoas beberem meio litro de água. Ao final, Diego pegou as garrafas, fez um pequeno furo nelas com um estilete e as transformou a numa espécie de corneta já que a soprando, extraí-se um som parecido a um trombone ou algo do tipo.

O último dos últimos foi Carlos Asp. Chegou atrasado, vindo de viagem. Montou a exposição enquanto ocorria o vernissage. Pouco importa. E isso é legal no ESPAÇO CONTRAMÃO. Sem as formalidades requisitadas pelos museus e galerias, caso um artista atrase não há grandes problemas. Asp chegou as três horas da tarde – a exposição foi aberta ao meio-dia – almoçou, conversou com todo mundo para só depois montar, tranqüilamente, seu trabalho. Eu admiro o Asp. Sua humildade é imensa. Sempre anda com seus trabalhos em suas pastas e sacolas. Retira-os e mostra-os a todo mundo, explicando-os com a maior tranqüilidade e de maneira didática. E foi maravilhoso poder ver seus trabalhos recentes. Asp tem um ritmo que é todo seu e que não é o ritmo do trabalho burocrático, do trabalho acadêmico, muito menos de qualquer outro trabalho. É o seu ritmo, desacelerado, mas que consegue manter uma produção maravilhosa. Asp comeu, bebeu, conversou, dormiu, acordou, saiu e todo o tempo eu ficava admirando aquela figura, com uma simplicidade e com uma jovialidade invejável. Salve Asp!