Braço gelado de manga e baunilha
O título acima é um dos pratos mais conhecidos de Ferran Adrià, um cozinheiro que tem status de melhor chef catalão. Ele estará com suas receitas na exposição que é a atual referência da arte contemporânea, a Documenta de Kassel. Deixando de lado o exotismo e/ou astúcia do curador Roger Buergel em chamá-lo, há algo importante a se pensar aqui.
As artes sempre foram consideradas como as vias de apreensão estética por excelência. A elas foram confiadas a capacidade de proporcionar experiências sensíveis (em oposição ao procedimento racional) que, muitas vezes, culminavam com o belo. Artes plásticas em primeiro lugar, depois a música, a literatura, o teatro, a dança... Outras experiências sensíveis como a gastronomia ou mesmo o sexo foram consideradas no máximo “estéticas sem linguagem” ou rebaixados a categoria de “cotidiano”, sendo que este último somente no século XX virou objeto de estudo das ciências humanas.
O convite a Ferran Adrià recoloca em pauta a questão acerca do que entendemos por estética. Para Adrià: 1) “A informação que um prato propicia se desfruta por meio dos sentidos e se racionaliza com a reflexão”; 2) Seu trabalho está, sobretudo, naquele que o recebe; 3) Sua inovação na cozinha foi colocar os alimentos para funcionarem a partir de seus próprios gostos, abrandando o ato de temperar, tão tradicional da cultura européia há mais de um milênio, basta lembrarmos que os europeus deixavam seu continente e se aventuravam por terras desconhecidas das Índias Orientais em busca das especiarias para melhorar o paladar de suas comidas. Estes três pontos dialogam perfeitamente com o discurso da arte contemporânea. Para terminar, Adrià em entrevista a BRAVO! nº 108 diz que o critério subjetivo é o que prevalece: o emocionar-se. O que ocorre é o alargamento das extensões que as artes visuais vêm realizando nos últimos 50 anos. Colocar alimentos como obras de arte não é novidade, no entanto, o que parece agora é que não se quer tomar o trabalho de Adrià como obra das artes plásticas ou visuais, mas como uma experiência estética em si.