Painas


Abaixo segue a troca de e-mails que mantive com a artista Maria Araújo entre 16 e 25 de agosto de 2006. Ela surgiu a partir de minha ida a abertura de sua exposição na galeria ARCO, de Florianópolis, em 11 de agosto. A exposição, chamada “Flanêur” esteve de 11 a 18 de agosto no espaço e faz parte do projeto “DOBRAS”, da mesma galeria. A publicação foi autorizada por Maria Araújo e desde já agradeço a gentileza.

Fernando escreve em 16/08/2006

Oi Maria, estou ainda pensando em sua exposição e, desculpe minha ignorância, teperguntarei algumas coisas: 1) Há paineiras aqui em Florianópolis? 2) Impressão minha ou você nos deu (ao público) apenas um pouco, o mínimo das paineiras, para sentirmos mais a falta do que a presença, para estarmos, de alguma forma, lidando com a ausência diante de teu trabalho. Enfim, falar em uma paisagem ausente é um grande erro, uma viagem de quem observa ou você acha pertinente? 3) Caso tiveres algo mais explicativo a colocar sobre este teu trabalho, por favor o faça, isso porque o texto da Karina é quase que complementar ao teu trabalho, não sendo uma crítica propriamente dita, parece-me, mais precisamente, um elemento que participa do teu trabalho. Desculpa incomodá-la, att.
Fernando C. Boppré.
p.s.: Em anexo algumas fotos que tirei no local.

Maria responde em 17/08/2006

Olá Fernando! Você não me incomoda de jeito nenhum!!!!! Fico feliz por suscitar algo a ser questionado. Principalmente pela sua primeira pergunta... 1) Há paineiras aqui em Florianópolis? R: Sim. Muitas e estão todas com os frutos amadurecidos soltando suaspainas e espalhando-as pela cidade. Na rótula que entra na rua Madre Benvenuta, há algumas paineiras. No dia da exposição o chão estava coberto de painas. Creio que agora já estejam terminando. Na saída da ponte em direção ao continente há uma imensa. Nomorro atrás do Hospital de Caridade...dentre outras. 2) Impressão minha ou você nos deu (ao público) apenas um pouco, o mínimo da paineira, para sentirmos mais a falta do que a presença, para estarmos, de alguma forma, lidando com a ausência diante de teu trabalho. Enfim, falar em uma paisagem ausente é um grande erro, uma viagem de quem observa ou você acha pertinente? R: Não foi somente você que teve essa impressão! É que mostrei o processo de algo que ocorreu. Vou explicar por partes: 1- tingi algumas painas com pigmentos naturais;2- tingi outras painas com pigmentos de aquarela; Não fiquei muito satisfeita com o resultado, pois a paina natural guarda um brilho que se perdia principalmente nas tingidas com aquarela. Conheci o trabalho do artista plástico Andy Goldsworthy (umas bolas de neve incrustadas com coisas da natureza). Então tive a idéia de congelar as painas em duas vasilhas com formato de meia lua. Depois fotografei todo o processo de degelo. Ao montarmos a exposição decidimos que todo esse processo ficaria de fora, pois somente com o material que tínhamos já conseguiríamos acionar, no espectador, a paisagem externa. As paineiras com frutos maduros soltando suas painas. Portanto a paisagem não está ausente. O que ocorre é que se torna necessária ação do artista para o espectador percebê-la. 3 - Quanto ao texto da Karina também achei bastante enigmático, mas gosto de pensá-lo como um elemento que participa do trabalho e faz o espectador pensar (instiga-o). No projeto "Dobras", cada texto pode ser um trabalho em si. E aquelas foram impressões que ficaram na Karina quando apresentei o trabalho alguns meses antes da exposição. Na ocasião, também mostrei os guardanapos onde colocava as painas para secar. Estes absorviam grande quantidade das cores das painas. (Creio que as impressões da Karina dizem mais respeito a esses guardanapos). Na conversa com o artista falei sobre o fato de não expor algumas coisas, pois o espaço não comportava. Ao montarmos a exposição fomos eliminando algumas coisas e, inclusive o livro do processo de degelo ficou na mesa no lado de fora, justamente para não "sufocar" o conteúdo do que havia na pequena sala. Creio numa conversa ao vivo isso tudo poderia ficar mais claro, mas espero que tenha tirado algumas das suas dúvidas. Se achares necessário mais algumas informações é só me passares novo e-mail com suas questões! Muito satisfeita por sua atenção. Maria:)

Fernando escreve em 20/08/2006

Oi Maria, ótimo! É ótimo podermos conversar. Compreendi o processo. Contudo perceba o problema que estava colocado: eu fui à exposição, curti o aspecto visual, mas fiquei me perguntando o que ligava as coisas, quais conceitos ou problema estavas trabalhando. Não consegui achar o fio da meada, mesmo porque eu não sabia o que era "paina" - você me disse no dia, somente aí comecei a atentar para a coisa, mas caso eu não soubesse que você era a artista, eu passaria batido por este ponto vital da sua proposta. Portanto, observe que a minha apreensão estética foi apenas parcial no dia. Se eu tivesse alguns dados, como estes que você me passou, (e provavelmente os demais visitantes que assim como eu chegaram sem estar ligados ao teu universo ou mesmo da arte contemporânea como um todo), provavelmente teria mais possibilidades de jogar junto ao teu trabalho, de me aproximar da tua proposta. Mas perceba novamente: isso é uma decisão sua, talvez você quisesse esse alheamento, mas isso tem que estar claro. Algo que resolveria a questão seria um texto para a exposição, não aquele da Karina pois, concordo contigo, ele participa da obra e isso é ótimo. Mas um texto que apresentasse você e a obra - poderia ser de sua autoria - que estivesse na parede ou em qualquer outro lugar do espaço expositivo. São considerações abertas, Maria, pois vi em seu trabalho um processo interessante e tão enigmático quanto o texto da Karina, que me cativou. Não por acaso estou até agora - quase uma semana depois da exposição - pensando e escrevendo sobre ela. Fica o abraço,
Fernando.

Maria responde em 24/08/2006

Olá Fernando!
Vou remeter novamente o vídeo [enviado por Maria a Fernando em um dos e-mails iniciais], mas lembre-se ele não foi editado. Ele é só para você perceber o meu encantamento por essa árvore que, nessa época do ano, derrama essas "pequenas nuvens", a bailar pela cidade, com as sementes. Também pensei em escrever um texto, mas com tantas coisas na universidade e a proposta de somente dois artigos de colegas serem editados, me pareceu suficiente. Por fim achei que expliquei de mais, o trabalho, na conversa com o artista. Sei que você não estava presente e é justamente por esse motivo que acho interessante esse bate-papo. O que as pessoas captaram e/ ou decidiram investigar após tomar contato com o material que mostrei na exposição é que é relevante. Todas as considerações são possíveis e tudo é somatório. Não achas? Vou anexar também o convite para a próxima exposição na ARCO que será amanhã, dia 25/08/06. Espero que o instigue tanto quanto a minha! Tente aparecer. Beijos
Maria:)

Fernando escreve em 25/08/2006

Com relação ao bate-papo, acho que a exposição deve funcionar independente dele. Pense que em uma exposição de maior porte, os trabalhos ficarão um ou dois meses em um espaço e as pessoas sequer irão conhecer a sua voz. Por sinal, não gosto dos bate-papos com artistas porque eles geralmente explicam demais – premidos pela necessidade de falar, algo que não faz parte do discurso artístico, pelo menos na maioria das obras.
Quanto as paineiras, vi (percebi) uma linda, logo na cabeceira da Ponte Colombo Salles, ela está ótima, parecem algodões. Abraço e até mais,
Fernando.

Fernando escreve em 03/09/2006

Oi Maria. Eu havia lhe falado de minha idéia de publicar nossa troca de e-mails no blog ARTE POR EXTENSO. Em anexo segue o texto que quero publicar e lhe peço a devida autorização para isso. Colocarei também algumas fotos das obras. Abraço, Fernando.

Maria escreve em 05/09/2006

Olá Fernando! Reli todo o nosso bate-papo e acho que vai ser interessante para ler. Portanto está totalmente autorizado!! Abraço, Maria.