Ricardo Basbaum responde

Finalmente percebemos que não estamos sozinhos no universo da rede. O texto que escrevi criticando a exposição de Ricardo Basbaum no Museu Histórico de Santa Catarina recebeu 3 comentários bastante pertinentes. O primeiro de Cássio Ferraz, o segundo de Ricardo Basbaum e o terceiro de Sérgio Basbaum. Como queríamos dar o mesmo espaço de resposta ao Ricardo Basbaum (e não deixar sua dedicada resposta apenas nos comentários), pedimos autorização para ele deixar que a publicássemos no blog. Pois bem, segue abaixo seu comentário [F.C.B]

* * *

Ricardo Basbaum disse...
olá Fernando.
Por acaso encontrei seu blog, que não conhecia - achei bacana, achei vivo e atento. A experiência do 'arteporextenso' mostra como o espaço do blog pode ser interessante para o desenvolvimento de um discurso (pós) crítico: é legal como a prosa pode fluir em ritmo próprio, como vocês dois [F.C.B. e V.R.] podem se revezar na dupla autoria, como os assuntos podem ser alinhados segundo os deslocamentos e viagens, como os leitores podem escrever e publicar comentários, etc etc etc. Vou voltar outras vezes e acompanhar as vozes de vocês. Mas queria exatamente comentar o artigo "Basbaum no Palácio Cruz e Sousa", que li com interesse. É lugar comum, bem sei, mas repito: fico feliz em encontrar um texto sobre meu trabalho que proponha alguma discussão - pois em geral (digo, na grande imprensa) isso não ocorre: quando se diz, não se diz direito, e quando se diz se fala do entorno e o assunto mesmo, o mais interessante - a possível polêmica - fica um tanto vaga. Enfim... Repito: gostei de encontrar seu artigo e me interessaram algumas de suas observações. Mas tenho que indicar a você algumas correções, pois você escreve ali que eu disse coisas que de fato não disse, já que na verdade penso de modo completamente diferente - ao contrário até - do que você aponta. São duas coisas principais: uma é em referência à ação do vaca amarela como participante no projeto "Você gostaria de participar de uma experiência artística?". Não é verdade que eu continue "puto com o pessoal do Vaca Amarela", nem é verdade que eu não tenha gostado da intervenção do grupo no MASC - nunca coloquei as coisas dessa maneira. Aproveito então para esclarecer: eu adorei a intervenção do vaca amarela - foi muito precisa e inteligente; a ação do vaca sinalizou um momento de virada do projeto (que eu chamo hoje de "fase 3", conforme indico no diagrama que mostrei na exposição Paralela, em SP - o diagrama está no site so projeto); em conversa com Ze Lacerda e Elisa Noronha, em julho de 2005, em Porto Alegre, indiquei meu interesse pelo que foi feito pelo vaca. Escrevi um texto (não publicado e que em breve estará disponível no site), chamado "relatório de uma visita ao MASC no dia 13 de junho de 2005", em que procuro me posicionar em relação ao episódio (texto enviado por email ao grupo). Ali escrevi: "a ação do grupo vaca amarela revela-se intrigante, ao costurar diversas camadas de sentido e introjetar o potencial de múltiplas possibilidades – as quais não cabe somente a mim, e sim a todos os interessados, investigar; sobretudo ao grupo, sujeito coletivo cuja manifestação é mais do que importante neste episódio. (...) O vaca amarela realizou um gesto (...) que contempla uma aguda observação da cena artística e institucional de Florianópolis e do Brasil, produzindo uma manobra estratégica e aberta de intervenção (cujos desdobramentos podem ser amplamente cultivados e trabalhados)." Se vejo a ação do VA com interesse para meu projeto - pois indica esta tal de 'terceira fase' do projeto, assinalando o momento em que volto a me aproximar das intervenções realizadas, depois de estar um tanto afastado durante a 'fase 2' (em que o objeto começa a circular sem minha intervenção direta, sendo conduzido pelos participantes) -, procuro demonstrar que se a acão do VA foi de fato 'interessante' (e eu acho que foi) é porque ela ultrapassa as dimensões do meu projeto para revelar questões do circuito de arte local e nacional, chamando a atenção para questões concretas que se estendem para além de "Você gostaria de participar de um experiência artística?". Ou seja, este é um traço importante de meu projeto: "Ainda que o objeto físico seja o elemento real e concreto que deflagra os processos e inicia as experiências, na realidade seu papel é trazer para o primeiro plano certos conjuntos invisíveis de linhas e diagramas, relativos a diversos tipos de relações e dados sensoriais, tornando visíveis redes e estruturas de mediação." A ação do VA é significativa porque soube precisamente trazer à superfície limites e contradições de um certo circuito de arte e seu tecido institucional - do qual faz parte, como grupo ou coletivo -, tornando esses limites produtivos: assim está escrito, no relatório mencionado: "o grupo vaca amarela doou o 'ato de doação', não apenas o gesto generoso de relacionar-se com o Museu a partir de um acréscimo ao seu patrimônio mas sobretudo a produção de uma fresta a partir da qual um processo vivo de produção de pensamento é deflagrado no interior do espaço institucional – cabe aos outros ('nós e eles') prosseguir no desdobramento dos fios apontados. Ou seja, o gesto do grupo vaca amarela proporcionou a possibilidade do MASC incorporar em seu acervo o germe de uma dinâmica que tem como seu principal objetivo a produção do elemento vivo a partir do qual novos processos são deflagrados – nos termos concretos dos fluxos de seu funcionamento alinhado à dinâmica dos processos de invenção." Bem, espero que esteja claro que vejo a ação do VA como interessante e importante. Entretanto, um aspecto do grupo deixou-me intrigado e me fez produzir algumas críticas: desde o momento em que a ação foi deflagrada, não tive mais contato com o VA, que nunca mais respondeu às minhas tentativas de contato: procurei entrevistá-los através de vídeo ou email; enviei por email cópia do relatório; forneci senha para utilização do espaço do site para publicação da experiência realizada; convidei-os para participar do debate realizado no MHSC no dia 06/11/06 - nenhum destes gestos foi até agora (cor)respondido. Vejo estas tentativas de contato como gestos para que o próprio grupo afirme as questões que lhe interessa, de modo direto – que de alguma maneira se coloquem em torno das questões por eles deflagradas, certamente mais importantes que o meu projeto. Não há como não perceber no VA um curioso voyeurismo, em que buscam a invisibilidade enquanto sujeitos que de certa forma deixam de lado seus corpos (corpo coletivo) para perversamente habitar o corpo do outro. Penso que isso é também importante e interessante de ser discutido - mas é algo que não se fala... De todo modo, vejo que o VA agiu de modo claro e contundente, deixando importante marca em "Você gostaria de participar de uma experiência artística?" - gostaria, por certo, de ouvir outros ruídos... Mas Fernando, há um outro ponto em seu texto que não faz muito sentido (há uma clara distorção de sua parte): afirmar que "os créditos de toda a história não ficam para o outro, mas sim para o Basbaum. (...) Ou será que os nomes do Vaca Amarela ou mesmo do Cássio Ferraz vão para a Documenta? E se for, vai ser nota de rodapé ou então em algum lugar do site do projeto. Quem vai estar no catálogo, quem vai viajar para a Europa, quem vai engordar o currículo vai ser o Basbaum." Bem, está claro que o projeto "Você gostaria...?" não envolve qualquer 'competição' por 'créditos artísticos' ou 'espaço em catálogo': todos os participantes realizam ações produtivas que se justificam plenamente em si mesmas, afirmando um lugar a partir do qual outros processos podem ser deflagrados - há uma produção real de redes de contato e elaboração de uma discussão que acaba por construir seu próprio fluxo: o website do projeto foi construído de modo a disponibilizar ferramentas de publicação aos participantes, que trabalham pela positividade de seus próprios discursos, sem passar por minha mediação (há os limites do site e os limites do projeto - estes não são escamoteados mas sim trazidos como elementos do jogo proposto) - ou seja, o website está no espaço coletivo da esfera pública informático-mediática. Assim foi concebido e desenvolvido o projeto desde seu início, em 1994 - a atual colaboração com a documenta 12 apenas amplifica a escala da proposta, colocando novos desafios frente a um momento de forte visibilidade.Fernando, escrevi talvez demasiado, mas fiquei empolgado pela possibilidade de conversa com 'arteporextenso' a partir de suas observações... Um abraço, Ricardo
12.12.06

Nenhum comentário: