Cildo Meireles

Estarrecedor. Esta é a "Babel" de Cildo Meirelles. Você sai do elevador do quarto andar da Estação Pinacoteca, percebe que as salas estão escuras, olha para a esquerda e vê um amontoado vertical de rádios de todos os tipos subindo até os céus (realmente tinha que ser no 4º andar, o último da Estação Pinacoteca). Chegando perto, você vê as luzinhas piscando, as luzes dos sintonizadores, a variedade de rádios que a compõem. Mais perto ainda, você ouve diversas falas, músicas, ruídos. Todos ligados ao mesmo tempo, cada um com sua fala, incompreensível a não ser que você esteja a menos de 30 centímetros da caixa de som do rádio que você escolha ouvir. No entanto, o discurso de Meirelles é enfático: a superficialidade da linguagem talvez nunca esteve tão bem expressa em uma obra de arte.

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Saindo da sala de "Babel", você vê outra, logo a frente. Olha, procura e nada. Apenas um foco de luz redondo em uma parte do chão. No resto da sala, o vazio. Ou seja, você sai daquela polifonia de "Babel", daquela excitação que também é visual e se depara com um pequeno cubo de madeira iluminado apenas por um foco de luz redondo preenchendo toda aquela sala. É bom deitar-se, como criança, para ver de perto aquele cubinho milimétrico, com diferentes tons (diferentes madeiras dentro do mesmo espaço milimétrico?) que torna o menos, o mais – que faz do pouco, o muito.

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Mais a frente, na outra sala, via-se um deck de madeira. Você chegava próximo e percebia que era um trapiche. Ao invés de mar, folhas impressas que se passavam por água. Novamente a experiência da imensidão, da impossibilidade – que estava em “Babel” (como abarcar tudo isso?) e também no cubo de madeira, chamado “Cruzeiro do Sul” (o que fazer com tão pouco?) – dessa vez física. Experimentar o trabalho “Marulho”, significa olhar a sala, suas paredes brancas (impossibilitando qualquer formação de uma paisagem), lá para longe e querer ir até lá e não poder chegar. Fique no trapiche, na superfície, na forma cúbica.

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Sou particularmente crítico com curadorias, mas gostei muito desta, assinada por Moacir dos Anjos. Talvez fosse dispensável as escritas propositivas de Cildo Meireles que se encontrava entre a sala de “Cruzeiro do Sul” e de “Marulho”. De qualquer forma, muito interessante a montagem e seleção dos trabalhos. O curador potencializou os trabalhos e não apenas fez amarrações temáticas.

[F.C.B]

fragmentos modificados de e-mails que enviei para amigos:


fui para são paulo, final de semana, para ver bienal e contornos. (e, para dizer a verdade, gostei mais dos contornos, rs). de última hora, entrei numa dessas excursões, ônibus que chega sábado de manhã e volta domingo à noite, rs, mas valeu a pena.

a bienal, de maneira geral, parece uma feira de domingo - já que nunca tinha ido, levei um susto com isso. e o tema, além de pedir legitimidade à crítica internacional, parece servir mesmo para indicar que o evento faz viver junto trabalhos fortes e medíocres. como partiu para um viés fortemente político - e num sentido político muito pouco barthesiano, a meu ver - a maioria dos trabalhos soa literalizado demais, com objetivo claro de intervenção e denúncia. e confesso que desconfio um pouco de tudo isso enquanto saída.

por outro lado, além da bela panorâmica do mam, na oca, vi o trabalho de cildo meirelles, regina silveira, e león ferrari, na pinacoteca - esse último, certamente, o que mais me impressionou, até porque ainda não conhecia. león é um argentino de buenos aires, tem perto de 90 anos e está produzindo como se tivesse 30. ele possui, parece, dois eixos de trabalho - um, bastante político, polêmico, provocou grande discussões com a igreja na argentina, pois possui ataques diretos ao cristianismo; e outro, mais formalista, onde trabalha com uma série de desenhos no espaço, feitos de arame, e outra série de escrituras em quadro.

essa última série, principalmente, me assombrou. acho que o trabalho de león - este, principalmente - é uma possibilidade interessante de tensionamento da literatura a partir das artes visuais - algo como uma destruição da escritura pela visualidade, apagamento e esvaziamento de qualquer subjetividade (de maneira semelhante, poderia pensar que herzog destrói o limite). é algo como um cy twombly mais radical, parece.

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voltei de são paulo ontem, com novidades, e muito entusiasmado com muitas coisas, principalmente com o trabalho de león ferrari, um artista argentino que tem uma série de quadros chamada escrituras, e com a exposição de cildo na pinacoteca.

o trabalho de cildo, meu deus, dá vontade de chorar. a montagem, feita por moacir dos anjos, coloca o pequeno cubo de cildo entre a poesia-instalação de marulho e o caos-instalação de babel, último trabalho de cildo, provocando uma encenação e dramatização-limite do espaço.

e o trabalho de ferrari, você conhece? seu trabalho com escritura em quadros vem ao encontro de muitas coisas que eu vinha pensando a partir de barthes e foucault, como a demolição do sentido, do sujeito, da escrita, mas nada do que eu havia visto até então me permitia pensar com tanta precisão: é isso! e oferecia uma solução tão bem acabada ao problema. quando vi o quadro de ferrari, na minha frente, parece que vi concretizado tudo que eu vinha anotando no papel faz meses. acho que ferrari é um twombly mais radicalizado, mais tensionado, pois apaga na escrita qualquer possibilidade de sentido, faz a língua desaparecer. (...) como vi seu trabalho logo que cheguei a são paulo, fiquei o restante da viagem assombrado com aquilo.

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a exposição da fiat decepcionou. salvo alguns trabalhos, está uma exposição confusa. para começo, da maneira como vejo, existem equívocos graves de montagem. um dos vídeos, que parecia bom trabalho, mas pedia silêncio, foi traído pelo montador, que o deixou exatamente ao lado de outro absolutamente barulhento. e na etiqueta de cada trabalho, um texto explicativo que não se sabe de onde vem - num dos textos, o de tapume, dizia que o trabalho se fazia no espaço, mas era algo que praticamente não saia da parede.

em relação aos trabalhos, muitos são intervenções na cidade e aparecem somente enquanto registros, como um depois sem força mais alguma - e cabe perguntar se alguma vez tiveram; muita web art deslumbrada, vazia, sem qualquer coisa dentro, que só de ver já dá um cansaço - teve uma que a monitora me explicou duas vezes o que tinha pra fazer e continuei sem entender (e isso que sou alguém da geração do computador); e, ainda, principalmente, trabalhos que se fazem a partir de uma sacada que se acaba e esgota no primeiro olhar.

e parece que teve docinho e sorteio de viagem na abertura - a mim, que cheguei depois, só papel e fotos.

[V.R]

Arte grega

A FAAP estava repleta dos gregos e romanos. Maravilhoso. Muito se fala em arte grega nos cursos de história da arte e mesmo para compará-los com outras manifestações – Renascimento, Neoclássico, etc.). No entanto, brasileiros que somos (de cabreiro e na barriga da miséria, como lembra filho do Sérgio Buarque de Hollanda), temos poucas chances de ver de perto estes trabalhos. E é realmente importante vê-los de perto porque é preciso sentir seu tamanho e peso, percorrer com os olhos seus corpos, enfim, tornar a visão quase que tátil.
É impressionante como, para os gregos, a arte estava na vida. Esta discussão – que a arte contemporânea reinvidica para si – de aproximar arte e vida é coisa antiga para os gregos. As coisas do mundo (vasos, discos, mesas, arquitetura, etc.) eram artisticamente processados em algum momento de sua confecção. Outra coisa que impressionou muito foi ver os vasos e utensílios de mesa. Alguns são enormes e a camada pictórica é bastante forte. Trazem narrativas sobre a vida, sobre a cidade.
A exposição da FAAP, com obras do acervo do Museu Pergamon, de Berlim, tem o grande mérito de trazer peças anteriores aos gregos e mesmo posteriores (romanas) para podermos observar o que foi o tal do milagre grego. Eles saem de uma escultura dura, cujo corpo é rígido e quase sem forma, para chegar numa escultura repleta de traços e de volume. E, principalmente, de movimento. É nos trajes, por sinal, que se pode melhor ver este movimento. Nas dobras, cortes que as roupas proporcionam que os artistas gregos se divertiam. Era ali que mostravam sua virtuose. [F.C.B]

Só não precisava de telhado, escadarias, jardim artificial, entre outras coisas para montar esta exposição. Dizer que o Jorge Coli andou criticando isso (não li). Ele realmente estava certo. [F.C.B]

Museu Paulista que é também do Ipiranga...

Ida a SP: Museu do Ipiranga (Museu Paulista / USP), Pinacoteca, Museu da Língua Portuguesa, Estação Pinacoteca, FAAP, Fiat Mostra Brasil, MAM [NA] OCA, MAM e Bienal de SP. A partir de hoje, tentarei escrever alguns comentários, impressões de viagem. Acho que o Victor também vai ajudar. Vou começar pela parte mais careta do roteiro:

Museu Paulista

Museu esquizofrênico até no nome. Museu Paulista mas também conhecido como Museu do Ipiranga. Projetado pelo Império acabou sendo realizado pela República. A pesquisa e a expografia do Museu se esforçou e ainda se esforça em desfazer a imagem imperialista, mas é difícil não lembrar de D. João, D. Pedros e aquela laia toda em meio àquela arquitetura monumental. Tenho certeza que estes palácios tinham pé direitos altos para aguentar as cagadas destes caras (Niemeyer também pensou nisto quando fez Brasília, podem perceber...)
É um museu histórico no pior sentido do termo. Armas, urinóis, Oscar Pereira da Silva, carros de bombeiros, mais urinóis, Pedro Américo, mobiliário. É impressionante como persiste uma certa expografia. Ainda bem que para o ano que vem está planejada toda uma transformação nas exposições.

“Independência ou morte” é gigantesco. Impressiona pelo tamanho e também por ter sido realizado um ano antes, apenas, da Proclamação da República. Nasceu como ode ao Império e mal trocava as fraldas quando virou motivo de chacota republicana. Sua leitura hoje é recheada de risos e deboches. É que tanto se fez piada, na própria historiografia brasileira, com a história do D. Pedro estar com diarréia às margens do Ipiranga e coisa do tipo, que, cada vez que eu olho para aquele quadro, eu me lembro dessas coisas. A ironia substituiu a idéia de uma história edificante. Os imperialistas se ferraram nas mãos dos republicanos. E sobrou para o Pedro Américo.

Em exposição, ainda, várias telas de Oscar Pereira da Silva, onde pintava feitos imperialistas em pleno ano de 1922. Semana de Arte Moderna acontecendo e tudo mais, e ele lá, com seus traços acadêmicos (por sinal, foi aluno de Victor Meirelles). São coisas que esquecemos: ao mesmo tempo em que se produzia um movimento modernista – que se tornaria hegemônico – um discurso conservador (tanto plástica, quanto historicamente), como o de Pereira da Silva, continuava seu rumo. [F.C.B]

palavra-de-ordem

olhe, fernando, esse negócio de faça isso, faça aquilo, faça você está é cansado por demais. é jogo cansado, esgotado, sem força mais nenhuma. o problema disso já foi resolvido faz muito tempo, e de maneira mais inteligente.

e, no mais, é palavra-de-ordem, é o faça!, é o tu! - é experiência muito pobre com a linguagem: experiência de poder, de ordem, ideológica, que não oferece tensão nenhuma com o normal. é tensão muito frouxa com o mundo.

(sem falar nos problemas éticos - que o vaca amarela entendeu muito bem; aliás, a melhor intervenção no trabalho foi a do vaca: a única que suspendeu mesmo a lógica, que desviou, pois todas as outras estão dentro da ordem, da palavra-de-ordem, do faça como eu peço; e é curioso pensar que basbaum "não gostou" - pois doar o objeto ao museu foi o gesto que saiu fora do regulamento, da regra dele)

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dia desses, acho que na última revista cartaz, naquela página ineditus, também um sujeito dizia: pendure maças em árvores, fotografe e mande para este e-mail, etc. uma coisa assim, sempre dessa maneira - em segunda pessoa. fiquei pensando - por que não pendura ele mesmo e fotografa? se a idéia foi dele, a grande idéia, ele que realize.

[V.R]

Basbaum no Palácio Cruz e Sousa


NBP é um objeto criado por Ricardo Basbaum. É um troço estranho mesmo, basta olhar na foto. Não é bonito, não é atraente, não é útil. Não daria nem um caldo. Pelo contrário, é estranho, é grande demais, enfim, é um trambolho. A idéia, no entanto, é que as pessoas se apropriem do objeto e façam dele o que bem entenderem. Ou seja, a proposição artística é apenas incitada pelo objeto. Basbaum propõe, em verdade, vivências em torno dele.

Já comi uma cuca de banana dentro do NBP. Isso mesmo. Cássio Ferraz, em edição do Espaço Contramão, decidiu fazer uma cuca gigante usando o NBP como forma. O Grupo Vaca Amarela, por sua vez, mandou o NBP para o acervo do Museu de Arte de Santa Catarina. A polêmica, até hoje não resolvida (até onde sei o Basbaum continua puto com o pessoal do Vaca Amarela), despertou um problema em torno do objeto. É possível se fazer tudo, ou quase tudo, que se quiser com o objeto.

Vaca Amarela problematizou o objeto ao enviá-lo para o acervo de um Museu de Arte. Tudo o que o objeto não se quer ser é acervo. Quer ser vivo, circulante, produtor de sentidos. No entanto, Vaca Amarela quis produzir sentidos pela via da negação. Basbaum não gostou.

Tem uma questão que me incomoda: acho interessante essa coisa do objeto não ser obra de arte em si. Ele precisa do outro para ser ativado. Isso é ponto comum. No entanto, os créditos de toda a história não ficam para o outro, mas sim para o Basbaum. Legal, criar um objeto, jogá-lo ao mundo e ficar colhendo os créditos como quem apanha bananas no quintal do outro. Em última instância, é isso mesmo o que ocorre. Ou será que os nomes do Vaca Amarela ou mesmo do Cássio Ferraz vão para a Documenta? E se for, vai ser nota de rodapé ou então em algum lugar do site do projeto. Quem vai estar no catálogo, quem vai viajar para a Europa, quem vai engordar o currículo vai ser o Basbaum.


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Ricardo Basbaum é referência para a arte contemporânea. Tanto seus trabalhos artísticos quanto sua produção teórica são discutidos exaustivamente nos departamentos de artes visuais pelo Brasil e, particularmente, aqui no CEART/UDESC. Vez por outra, ministra cursos por lá.

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Sei que vou ser malhado por este comentário sobre o Basbaum. Mas foi a impressão que tive ao estar no museu. Por sinal, essa coisa de ele estar no Museu é também um problema... Pode estar na sala de exposições, mas no acervo, não. Mas não vou entrar nesta questão. Informações sobre o projeto de Basbaum podem ser encontradas no http://www.nbp.pro.br/


[F.C.B]

notícias

nesta semana, assisti duas oficinas oferecidas pelo museu victor meirelles, de florianópolis. a primeira, sobre o sistema de artes, com cristiana tejo, de recife, aconteceu na segunda e terça-feira. após o feriado, foi a vez da artista e crítica carla zaccagnini falar sobre crítica de artes, na quinta e sexta.

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cristiana, no primeiro dia, fez uma abordagem mais histórica da arte no século 20, procurando mostrar a relação do artista com a política, os museus e a história. dentro desses problema, falou de duchamp como um estrategista – o que faria dele, também, um contemporâneo; falou das vanguardas, e dos primeiros questionamentos da relação entre obra e mercado.

no segundo dia, partindo de bauman, cristiana introduziu a maneira como o sujeito de hoje lida com o espaço e tempo, dizendo um pouco das diluições de algumas fronteiras, a criação de outras, relação centro / periferia, etc. cristiana discutiu questões mais contemporâneas, falando da condição do artista hoje – exposto a uma “identidade móvel”, a uma relação mais “cosmopolita” e estrangeira com o outro. parecia interessada em enfatizar a relação do artista com seu momento histórico, e de como seu trabalho é construído e afetado também na relação com a história e sobretudo com as instituições, que parece um problema central na discussão de artes visuais.

no final, disse também de sua relação com a cidade e os artistas de recife, na condição de coordenadora e curadora de artes plásticas da fundação joaquim nabuco – e de como a cidade foi se tornando mais aberta à arte contemporânea somente a partir de meados da década de 90, por conta de um interesse surgidos nos artistas de dentro em construir outras soluções para a arte na cidade.

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na oficina de carla, a ênfase foi na prática da crítica. num primeiro momento, carla construiu uma conversa em torno de alguns exercícios de descrição de obra, procurando discutir a maneira singular de cada pessoa olhar para um objeto - questão que também atravessa seu trabalho de artista. num segundo momento, carla sugeriu algumas discussões em torno do exercício da crítica, partindo de seus textos e dos textos das pessoas que estavam fazendo a oficina.

carla sugere uma crítica que “construa um discurso paralelo ao trabalho do artista”. por vezes, em seus textos, carla nem cita o nome do artista e de seu trabalho, propondo uma intervenção textual mais aberta e menos valorativa. se sua proposta parece sedutora no sentido de fugir do discurso de valoração, ao mesmo tempo tendo a desconfiar da proposta textual enquanto dispositivo analítico, já que carla abre mão da própria materialidade do trabalho enquanto objeto de análise. carla, ao mesmo tempo, sugere uma discussão do que seja crítica, hoje: um discurso que legitime o artista? um discurso que dê conta do trabalho? parece, também, questionar se ainda faz sentido um texto que discuta valor. enfim, seus textos parecem querer ficar num limite entre crítica e ficção, até porque carla escreve muito bem. e nisso, penso, há perdas e ganhos.

[V.R]

colunismo cult

é tudo mentira o que andam dizendo pelas esquinas de florianópolis - que a construção dos shoppings representa os grandes acontecimentos culturais da cidade nos últimos tempos.

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florianópolis parece entusiasmada com cultura. semana passada, muitas coisas na cidade. só na terça-feira aconteceu a abertura do rumos, de artes visuais, no MASC; estréia do novo espetáculo do Cena 11, no teatro do CIC; recital de piano da alberto heller, no TAC; e ainda terça com poesia, na UBRO, com o poeta mauro faccioni filho.

(também tinha um evento de performance no Palácio Cruz e Souza, mas estava tão bem organizado que não consegui descobrir o horário certo das performances - acabei desistindo de esperar em frente ao museu, na quarta, e mais uma vez, por acaso, quando estava voltando para casa, assisti pedaço do espetáculo de rua DESVIO, que propõe intervenções muito interessantes na cidade)

ainda teve, no restante da semana, curso com a bianca tomaselli, sobre modernismo em santa catarina, na univali - onde, entre outras coisas, bianca questiona a pertinência de pensar a existência de um modernismo no estado, já que nas décadas de 40 e 50, com estado novo e governo vargas, existe uma organização legimitada dos discursos em torno desse movimento, perdendo sua potência anarquista inicial.

ainda teve EmCena Catarina, sexta-feira, no SESC-Prainha, com a peça S.O.S. Uma Mulher Só. ainda teve, ainda, no sábado, lançamento do curta-metragem Eternáu, de um grupo de porto alegre, no espaço ARCO, com direito a festa depois com alejandro tocando até o amanhecer.

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- mas isso parece coluna social!

- pelo menos é cult.

[V.R]


O gosto do outro

“O grande narrador tem sempre suas raízes no povo, principalmente nas camadas artesanais.
Contudo, assim como essas camadas abrangem o estrato camponês, marítimo e urbano,
nos múltiplos estágios do seu desenvolvimento econômico e técnico,
assim também se estratificam de múltiplas maneiras os conceitos
em que o acervo de experiências dessas camadas se manifesta para nós”
(Walter Benjamin, O Narrador)

Certo, Victor. Concordo com você em relação ao processo muitas vezes massificante de se levar 30, 60, 500 crianças para os museus. O que ocorre é que as visitas, por vezes, tornam-se visitas de caráter civilizatório, o que é terrível. Por sinal, acho as ações educativas nos museus, na maioria das vezes, deseducadoras de uma possível sensibilidade estética do público.
Com relação às diferenças entre os sujeitos, também não creio que elas se encontrem, de maneira determinada, na posição social/classe. A micro-história está aí para mostrar isso, a literatura moderna e contemporânea também e aí por diante. Agora, há uma coisa (que, por sinal, o Hélio Oiticica, a Lygia Pape e esse pessoal já haviam percebido na década de 1960) que diz respeito às diferenças sociais e ao modo como elas desencadeiam profundas diferenças culturais. Os “Parangolés”, do Oiticica, são isso: objetos-híbridos, que transitam entre culturas/classes distintas, que só puderam existir porque o Hélio e as Lygias subiram o morro, dialogaram, produziram e conviveram com a gente de lá. Com isso, puderam descer o morro e entrar no MAM, causando o maior furor, exatamente porque os “Parangolés” traziam um código cultural/social que ninguém que estava no MAM era apto a entender. Do mesmo modo, acho que não compreendemos bolhufas do “caldo cultural” das favelas seja daqui, seja do Rio, seja de Nova Délhi. Estamos preparados para entender o nosso discurso – a refletir num eterno jogo de espelhos - e pouco nos importamos com os de outrem.
E não podemos esquecer que é sobre esta diferença proposta por Hélio e Lygias que está engendrado discurso da arte contemporânea de hoje em dia no Brasil. A maior parte dos artistas atuais se remetem a Oiticica, Clark, Pape, entre outros como referências centrais. No entanto, como a tese da Ana Lúcia Vilela está percebendo, eles largaram mão da experiência (uma experiência extremamente ligada ao outro/diferente, à política e a uma certa narratividade do procedimento) e retornaram ao circuito das artes com uma voracidade e voluptuosidade impressionantes.


Laura Lima, por exemplo, coloca dois indivíduos em uma roupa que só caberia um, para poder fazê-los se tocar, se experienciar, etc. Isso é totalmente inspirado nos macacões da Lygia Clark. No entanto, os trabalhos desta última eram para ser vivenciados, interagidos entre as pessoas. Já o da Laura Lima, as pessoas que executam as ações são contratadas e filmadas/fotografadas (para entrarem em Bienais). Em última instância, o registro é mais importante que a ação. É terrível: eliminou-se o gosto do outro. E isso está também na política das instituições museológicas que acabou por afastar o grande público de si. [F.C.B]

ainda, diferenças

veja, fernando, deixe eu esclarecer: não gostaria que interpretasse minha postura como elitista - embora você não tenha dito isso, pode parecer. deixo claro que acho políticas de formação de platéia e democratização da arte algo fundamental e precioso. só acho - e isso é achismo mesmo, porque entendo muito pouco do assunto - que às vezes podemos cair em posturas equivocadas e um pouco ilusórias. por exemplo, machado de assis deve ser dado para adolescentes? os sertões deve fazer parte da lista do vestibular? como deve ser conduzido esse processo? mesma coisa com museus, pergunto: o fato de 30 crianças assistirem a determinadas exposições necessariamente significa que aquelas exposições digam alguma coisa para essas 30 crianças? meu medo é que isso pode tornar-se um processo nulo, pois a leitura - qualquer leitura -, embora também esteja ligada a processos emocionais, afetivos, enfim, é também um processo cognitivo, e deve ser também aprendida mesmo.

quanto às diferenças, não creio que elas se encerrem em diferenças de classe. posso estar equivocado, mas vejo algo determinista em sua pergunta. diferenças são também construções, descontinuidades, desvios que se fazem no discurso e na história. e de qualquer maneira, trazemos histórias singulares. você, como historiador, sabe disso melhor do que eu.

[V.R]

Diferença entre iguais?

Alto lá: independente de ser biscoito fino ou ser algo que atinja poucos com sua potência, há uma questão aí, que tu colocaste com exatidão: a construção da diferença.

Construir diferenças entre iguais? Isso te parece possível?!? A potência não está apenas no objeto em si, no trabalho que o artista apresenta, não mesmo. Está também em sua capacidade de criar relações com o diferente e isso é praticamente impossível no atual panorama (não te esqueças, o dito biscoito fino das massas é uma expressão incorreta posto que jamais as massas participaram de maneira ampliada deste processo). E se isso for sonho modernista – querer ampliar o público – pois bem, meu nome é Fernando Modernista.

«F.C.B»

biscoito fino

quando me refiro à falência, nem me refiro aos números, fernando, mas penso na maneira como aquilo que é feito chega até as pessoas, como as discussões vão sendo conduzidas. nesse sentido, acho que a falência possui certa peculiaridade em nosso estado, sim. tenho acreditado, cada vez mais, em posturas positivas - acho que a melhor maneira de lamentar se dá na construção de uma diferença. penso que não importa se dez pessoas ou duas mil pessoas estão participando de algo, visitando um museu ou lendo um livro, mas que esse algo signifique e complexifique alguma coisa na vida dessas pessoas, que exista uma potência naquilo. (na verdade, eu acho que importa, sim, o número das coisas, principalmente para as instituições, mas não saberia discutir isso sem sair do senso-comum, pois sou mais afetivo que político).

e não tenho tanta certeza, mas não lembro do tempo em que a arte foi algo presente na vida das massas. quer dizer, o biscoito fino às massas de oswald parece um sonho modernista frustrado, não te parece? leminski também dizia: poesia não vende, e é bom mesmo que não venda. pois talvez o vender, da maneira como vão as coisas, signifique não a grande vida da poesia, da arte, uma espécie de salvação, mas justamente sua morte. isso não parece a você?

[V.R]