O gosto do outro

“O grande narrador tem sempre suas raízes no povo, principalmente nas camadas artesanais.
Contudo, assim como essas camadas abrangem o estrato camponês, marítimo e urbano,
nos múltiplos estágios do seu desenvolvimento econômico e técnico,
assim também se estratificam de múltiplas maneiras os conceitos
em que o acervo de experiências dessas camadas se manifesta para nós”
(Walter Benjamin, O Narrador)

Certo, Victor. Concordo com você em relação ao processo muitas vezes massificante de se levar 30, 60, 500 crianças para os museus. O que ocorre é que as visitas, por vezes, tornam-se visitas de caráter civilizatório, o que é terrível. Por sinal, acho as ações educativas nos museus, na maioria das vezes, deseducadoras de uma possível sensibilidade estética do público.
Com relação às diferenças entre os sujeitos, também não creio que elas se encontrem, de maneira determinada, na posição social/classe. A micro-história está aí para mostrar isso, a literatura moderna e contemporânea também e aí por diante. Agora, há uma coisa (que, por sinal, o Hélio Oiticica, a Lygia Pape e esse pessoal já haviam percebido na década de 1960) que diz respeito às diferenças sociais e ao modo como elas desencadeiam profundas diferenças culturais. Os “Parangolés”, do Oiticica, são isso: objetos-híbridos, que transitam entre culturas/classes distintas, que só puderam existir porque o Hélio e as Lygias subiram o morro, dialogaram, produziram e conviveram com a gente de lá. Com isso, puderam descer o morro e entrar no MAM, causando o maior furor, exatamente porque os “Parangolés” traziam um código cultural/social que ninguém que estava no MAM era apto a entender. Do mesmo modo, acho que não compreendemos bolhufas do “caldo cultural” das favelas seja daqui, seja do Rio, seja de Nova Délhi. Estamos preparados para entender o nosso discurso – a refletir num eterno jogo de espelhos - e pouco nos importamos com os de outrem.
E não podemos esquecer que é sobre esta diferença proposta por Hélio e Lygias que está engendrado discurso da arte contemporânea de hoje em dia no Brasil. A maior parte dos artistas atuais se remetem a Oiticica, Clark, Pape, entre outros como referências centrais. No entanto, como a tese da Ana Lúcia Vilela está percebendo, eles largaram mão da experiência (uma experiência extremamente ligada ao outro/diferente, à política e a uma certa narratividade do procedimento) e retornaram ao circuito das artes com uma voracidade e voluptuosidade impressionantes.


Laura Lima, por exemplo, coloca dois indivíduos em uma roupa que só caberia um, para poder fazê-los se tocar, se experienciar, etc. Isso é totalmente inspirado nos macacões da Lygia Clark. No entanto, os trabalhos desta última eram para ser vivenciados, interagidos entre as pessoas. Já o da Laura Lima, as pessoas que executam as ações são contratadas e filmadas/fotografadas (para entrarem em Bienais). Em última instância, o registro é mais importante que a ação. É terrível: eliminou-se o gosto do outro. E isso está também na política das instituições museológicas que acabou por afastar o grande público de si. [F.C.B]

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