NBP é um objeto criado por Ricardo Basbaum. É um troço estranho mesmo, basta olhar na foto. Não é bonito, não é atraente, não é útil. Não daria nem um caldo. Pelo contrário, é estranho, é grande demais, enfim, é um trambolho. A idéia, no entanto, é que as pessoas se apropriem do objeto e façam dele o que bem entenderem. Ou seja, a proposição artística é apenas incitada pelo objeto. Basbaum propõe, em verdade, vivências em torno dele.
Já comi uma cuca de banana dentro do NBP. Isso mesmo. Cássio Ferraz, em edição do Espaço Contramão, decidiu fazer uma cuca gigante usando o NBP como forma. O Grupo Vaca Amarela, por sua vez, mandou o NBP para o acervo do Museu de Arte de Santa Catarina. A polêmica, até hoje não resolvida (até onde sei o Basbaum continua puto com o pessoal do Vaca Amarela), despertou um problema em torno do objeto. É possível se fazer tudo, ou quase tudo, que se quiser com o objeto.
Vaca Amarela problematizou o objeto ao enviá-lo para o acervo de um Museu de Arte. Tudo o que o objeto não se quer ser é acervo. Quer ser vivo, circulante, produtor de sentidos. No entanto, Vaca Amarela quis produzir sentidos pela via da negação. Basbaum não gostou.
Tem uma questão que me incomoda: acho interessante essa coisa do objeto não ser obra de arte em si. Ele precisa do outro para ser ativado. Isso é ponto comum. No entanto, os créditos de toda a história não ficam para o outro, mas sim para o Basbaum. Legal, criar um objeto, jogá-lo ao mundo e ficar colhendo os créditos como quem apanha bananas no quintal do outro. Em última instância, é isso mesmo o que ocorre. Ou será que os nomes do Vaca Amarela ou mesmo do Cássio Ferraz vão para a Documenta? E se for, vai ser nota de rodapé ou então em algum lugar do site do projeto. Quem vai estar no catálogo, quem vai viajar para a Europa, quem vai engordar o currículo vai ser o Basbaum.
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Ricardo Basbaum é referência para a arte contemporânea. Tanto seus trabalhos artísticos quanto sua produção teórica são discutidos exaustivamente nos departamentos de artes visuais pelo Brasil e, particularmente, aqui no CEART/UDESC. Vez por outra, ministra cursos por lá.
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Sei que vou ser malhado por este comentário sobre o Basbaum. Mas foi a impressão que tive ao estar no museu. Por sinal, essa coisa de ele estar no Museu é também um problema... Pode estar na sala de exposições, mas no acervo, não. Mas não vou entrar nesta questão. Informações sobre o projeto de Basbaum podem ser encontradas no http://www.nbp.pro.br/
4 comentários:
caro fernando,
só agora pude me sentar para ler seus comentários sobre o nbp em florianópolis, estou correndo sempre, igual ao coelho da alice. acredito realmente que a estada desta "peça" por aqui detonou diálogos interessantes, muito mais por uma certa projeção no circuito das artes do que por uma possível transgressão artística. aliás transgredir é uma atitude que não tenho visto muito por aqui, acredito que possamos ser mais ousados, menos politicamente corretos em todos os sentidos criativos, mais amadores e menos profissionais. realmente sinto esse clima de fetichisação em torno da "peça", no entanto, também vejo que isso ocorre muito mais por um sistema viciado e normatizado do que pela proposta do ricardo em si. sua proposta encontra eco nas mais diversas ações e reflete muito mais esse clima de apaziguamento na arte do que outra coisa. o que o vaca fez foi interessante, entretanto a negação reforça a presença do objeto, haja visto o tamanho da discussão em torno da "peça". quanto ao queimando a cuca, eu e alguns amigos nos sentimos à vontade ao privilegiarmos a fôrma em detrimento da fórma e como você mesmo viu o que ocorreu foi uma espécie de isolamento da "peça" uma resignificação da obra em si, que passa a fazer parte de um contexto simplesmente por sua funcionalidade prática, um ready made às avessas, afinal de contas o que queríamos mesmo era comer a cuca.
abraço,
c.f.
se me permite um comentário, cássio: acho que o gesto do 'vaca' não foi na lógica da negação, mas da suspensão, que é bem diferente. o gesto do 'vaca', a meu ver, não torna o objeto mais presente - pelo contrário, torna o objeto ausente, o faz desaparecer, o tranforma em um recibo de doação.
(não posso falar da intervenção feita em sua casa, pois não sei como se deu o processo)
um abraço,
victor.
olá Fernando,
Por acaso encontrei seu blog, que não conhecia - achei bacana, achei vivo e atento. A experiência do 'arteporextenso' mostra como o espaço do blog pode ser interessante para o desenvolvimento de um discurso (pós) crítico: é legal como a prosa pode fluir em ritmo próprio, como vocês dois [F.C.B. e V.R.] podem se revezar na dupla autoria, como os assuntos podem ser alinhados segundo os deslocamentos e viagens, como os leitores podem escrever e publicar comentários, etc etc etc. Vou voltar outras vezes e acompanhar as vozes de vocês. Mas queria exatamente comentar o artigo "Basbaum no Palácio Cruz e Sousa", que li com interesse. É lugar comum, bem sei, mas repito: fico feliz em encontrar um texto sobre meu trabalho que proponha alguma discussão - pois em geral (digo, na grande imprensa) isso não ocorre: quando se diz, não se diz direito, e quando se diz se fala do entorno e o assunto mesmo, o mais interessante - a possível polêmica - fica um tanto vaga. Enfim... Repito: gostei de encontrar seu artigo e me interessaram algumas de suas observações. Mas tenho que indicar a você algumas correções, pois você escreve ali que eu disse coisas que de fato não disse, já que na verdade penso de modo completamente diferente - ao contrário até - do que você aponta. São duas coisas principais: uma é em referência à ação do vaca amarela como participante no projeto "Você gostaria de participar de uma experiência artística?". Não é verdade que eu continue "puto com o pessoal do Vaca Amarela", nem é verdade que eu não tenha gostado da intervenção do grupo no MASC - nunca coloquei as coisas dessa maneira. Aproveito então para esclarecer: eu adorei a intervenção do vaca amarela - foi muito precisa e inteligente; a ação do vaca sinalizou um momento de virada do projeto (que eu chamo hoje de "fase 3", conforme indico no diagrama que mostrei na exposição Paralela, em SP - o diagrama está no site so projeto); em conversa com Ze Lacerda e Elisa Noronha, em julho de 2005, em Porto Alegre, indiquei meu interesse pelo que foi feito pelo vaca. Escrevi um texto (não publicado e que em breve estará disponível no site), chamado "relatório de uma visita ao MASC no dia 13 de junho de 2005", em que procuro me posicionar em relação ao episódio (texto enviado por email ao grupo). Ali escrevi: "a ação do grupo vaca amarela revela-se intrigante, ao costurar diversas camadas de sentido e introjetar o potencial de múltiplas possibilidades – as quais não cabe somente a mim, e sim a todos os interessados, investigar; sobretudo ao grupo, sujeito coletivo cuja manifestação é mais do que importante neste episódio. (...) O vaca amarela realizou um gesto (...) que contempla uma aguda observação da cena artística e institucional de Florianópolis e do Brasil, produzindo uma manobra estratégica e aberta de intervenção (cujos desdobramentos podem ser amplamente cultivados e trabalhados)." Se vejo a ação do VA com interesse para meu projeto - pois indica esta tal de 'terceira fase' do projeto, assinalando o momento em que volto a me aproximar das intervenções realizadas, depois de estar um tanto afastado durante a 'fase 2' (em que o objeto começa a circular sem minha intervenção direta, sendo conduzido pelos participantes) -, procuro demonstrar que se a acão do VA foi de fato 'interessante' (e eu acho que foi) é porque ela ultrapassa as dimensões do meu projeto para revelar questões do circuito de arte local e nacional, chamando a atenção para questões concretas que se estendem para além de "Você gostaria de participar de um experiência artística?". Ou seja, este é um traço importante de meu projeto: "Ainda que o objeto físico seja o elemento real e concreto que deflagra os processos e inicia as experiências, na realidade seu papel é trazer para o primeiro plano certos conjuntos invisíveis de linhas e diagramas, relativos a diversos tipos de relações e dados sensoriais, tornando visíveis redes e estruturas de mediação." A ação do VA é significativa porque soube precisamente trazer à superfície limites e contradições de um certo circuito de arte e seu tecido institucional - do qual faz parte, como grupo ou coletivo -, tornando esses limites produtivos: assim está escrito, no relatório mencionado: "o grupo vaca amarela doou o 'ato de doação', não apenas o gesto generoso de relacionar-se com o Museu a partir de um acréscimo ao seu patrimônio mas sobretudo a produção de uma fresta a partir da qual um processo vivo de produção de pensamento é deflagrado no interior do espaço institucional – cabe aos outros ('nós e eles') prosseguir no desdobramento dos fios apontados. Ou seja, o gesto do grupo vaca amarela proporcionou a possibilidade do MASC incorporar em seu acervo o germe de uma dinâmica que tem como seu principal objetivo a produção do elemento vivo a partir do qual novos processos são deflagrados – nos termos concretos dos fluxos de seu funcionamento alinhado à dinâmica dos processos de invenção." Bem, espero que esteja claro que vejo a ação do VA como interessante e importante. Entretanto, um aspecto do grupo deixou-me intrigado e me fez produzir algumas críticas: desde o momento em que a ação foi deflagrada, não tive mais contato com o VA, que nunca mais respondeu às minhas tentativas de contato: procurei entrevistá-los através de vídeo ou email; enviei por email cópia do relatório; forneci senha para utilização do espaço do site para publicação da experiência realizada; convidei-os para participar do debate realizado no MHSC no dia 06/11/06 - nenhum destes gestos foi até agora (cor)respondido. Vejo estas tentativas de contato como gestos para que o próprio grupo afirme as questões que lhe interessa, de modo direto – que de alguma maneira se coloquem em torno das questões por eles deflagradas, certamente mais importantes que o meu projeto. Não há como não perceber no VA um curioso voyeurismo, em que buscam a invisibilidade enquanto sujeitos que de certa forma deixam de lado seus corpos (corpo coletivo) para perversamente habitar o corpo do outro. Penso que isso é também importante e interessante de ser discutido - mas é algo que não se fala... De todo modo, vejo que o VA agiu de modo claro e contundente, deixando importante marca em "Você gostaria de participar de uma experiência artística?" - gostaria, por certo, de ouvir outros ruídos... Mas Fernando, há um outro ponto em seu texto que não faz muito sentido (há uma clara distorção de sua parte): afirmar que "os créditos de toda a história não ficam para o outro, mas sim para o Basbaum. (...) Ou será que os nomes do Vaca Amarela ou mesmo do Cássio Ferraz vão para a Documenta? E se for, vai ser nota de rodapé ou então em algum lugar do site do projeto. Quem vai estar no catálogo, quem vai viajar para a Europa, quem vai engordar o currículo vai ser o Basbaum." Bem, está claro que o projeto "Você gostaria...?" não envolve qualquer 'competição' por 'créditos artísticos' ou 'espaço em catálogo': todos os participantes realizam ações produtivas que se justificam plenamente em si mesmas, afirmando um lugar a partir do qual outros processos podem ser deflagrados - há uma produção real de redes de contato e elaboração de uma discussão que acaba por construir seu próprio fluxo: o website do projeto foi construído de modo a disponibilizar ferramentas de publicação aos participantes, que trabalham pela positividade de seus próprios discursos, sem passar por minha mediação (há os limites do site e os limites do projeto - estes não são escamoteados mas sim trazidos como elementos do jogo proposto) - ou seja, o website está no espaço coletivo da esfera pública informático-mediática. Assim foi concebido e desenvolvido o projeto desde seu início, em 1994 - a atual colaboração com a documenta 12 apenas amplifica a escala da proposta, colocando novos desafios frente a um momento de forte visibilidade.
Fernando, escrevi talvez demasiado, mas fiquei empolgado pela possibilidade de conversa com 'arteporextenso' a partir de suas observações...
Um abraço,
Ricardo
Então, F. C. B.,
Belo blog, pensante e visitante de tantas exposiçõs relevantes. Fica meio nepotista colocar discussões relativas a alguém tão próximo como o Ricardo Basbaum, mas gostaria de fazer pequenas observações quanto ao seu texto sobre o NBP.
Num certo sentido, ele tem uma reação a uma significação bastante precisa que o objeto toma num circuito local. Você observa essa relação, acredita que ela fetichiza o objeto e daí um impulso interessante de descolamento. Como, diria o Nélson Rodrigues, "toda unanimidade é burra" há este impulso em pensar do outro lado, e você se coloca solidário ao Vaca -- que de certa forma quis talvez esvaziar o objeto remetendo-o ao museu, talvez até apressando o ciclo estranho da obra na cultura, que é, num certo momento, ser recuperada por um sistema memorialista, arrancada do cotidiano e colocada no museu, como foi toda a vanguarada da primeira metade do século e tal. Mas, veja bem, este movimento de museificação também é, de certo modo, uma fetichização em alto grau. Isso já daria uma conversa razoável.
Ironicamente, seja qual for o modo de apropriação do objeto -- mesmo sua negação ou transformação em recibo ou panela de cuca --, ocorre que, uma vez
em contato com ele, a contaminação é irreversível; e nesse sentido o trabalho é espantoso no modo como explicita o modo operativo da obra de arte, e dá, pelo seu absurdo e inusitado, uma visibilidade nova de uma série de mecanismos de circulação de informação que organizam o mundo contemporâneo.
Mas tudo isso talvez seja até bastante
óbvio.
O que acho engraçado no seu comentário
é esse ranço meio recalque, de dizer que o Ricardo Basbaum vai a Documenta com uma cuca feita com bananas colhidas no quintal dos outros. Claro, poder-se-ia dizer que isso vale para qualquer artista, já que a valoração de um trabalho é sempre um empreendimento coletivo, o êxito de uma poética nunca é tarefa dela exclusivamente, mas das forças que a atravessam, e que se sentem agenciadas na experiência inaugurada pela proposição. Trocando em miúdos meio simplórios, é preciso ter a sensibilidade de notar exatamente o que é que faz sucesso através do sucesso de uma obra de arte.
Nesse sentido, Documenta não é resultado somente de "Você gostaria de participar de uma experiência artística", mas de todo um conjunto e atividades de reflexão (textos "discutidos no Brasil inteiro", como você diz com certo exagero ou reverência, talvez, já que não somos tantos assim interessados em discutir arte), de crítica (fazendo ecoar o trabalho de diversos artistas, dando ressonância a diversas poéticas pela clareza da importância em fomentar a discussão e a conversa que materializa ou multiplica os sentidos abertos pela experiência desta ou daquela poética), de curadoria (vide, por exemplo, a experiência do finado Espaço Agora-Capacete), de editoria (Revista Item), de professor-propositor em diferentes contextos acadêmicos ou não -- e até mesmo de diretor do Instituto de Artes da UERJ, uma aporrinhação burocrática sem fim -- e finalmente na própria atuação como artista que atravessa agora mais de duas décadas, com atuação individual e coletiva das mais surpreendentes. Tudo isso que se pode talvez recolher no conceito engenhoso de "artista - etc.", que Ricardo cunhou para conceituar a multiplicidade da própria experiência.
É precisamente essa condição de pensador-criador atuante em todos os níveis do circuito, segundo um modo extremamente plural e intenso de pensar a importância da obra de arte, e a persistência numa atuação que não elegeu nunca o mercado como único lugar de circulação da obra de arte -- mas foi capaz de inventar outros lugares que sedimentam um modelo de artista que esteve, em certo momento, até mesmo ameaçado em função da re-organização do mercado de arte nos anos 80 -- que alimentou um certo circuito ou conjunto de fatores que acabou levando o projeto NBP -- e todas as vozes que ele veicula -- a Kassel.
Enfim, o que colocou o NBP na Documenta não foram só a contribuição dos relatos das múltiplas apropriações feitas do objeto por um monte de gente interessante, mas a noção de artista que a proposição -- e a própria atuação do Ricardo, num âmbito muito mais amplo e extremamente relevante para um certo modo de pensar a obra de arte e seu não-lugar nas sociedades contemporãneas -- que projeto como um todo agencia.
Ao colocar as coisas dessa maneira simplória e um pouco recalcada de "porque é que o projeto está na Documenta e não aqueles que o utilizaram", você acaba vendo aquilo que ele agencia de um modo meio pequeno e bastante limitado em relação ao horizonte artístico que você -- e o blog de modo geral -- parecem ter.
O Iceberg é bem maior, enfim. Mas uma das não-finalidades da obra de arte é fazer com que ocupemos nosso tempo falando de coisas mais interessantes que o mero utilitarismo cotidiano, de modo a multiplicar as possibilidades de sentido -- alimentar, enfim, a conversa, já que a obra não se esgota na nossa experiência, mas se multiplica no circuito de troca simbólica que deflagra.
De todo modo, é bom ver alguém que pensa na contramão.
abs
S.
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